Mais um suspiro em frente a tela em branco transparecia o quanto aquilo havia se tornando um sacrifício sem que ela tivesse percebido. Já havia visto lido em várias postagens no Pinterest que geralmente se passa mais tempo pensando em escrever um livro do que escrevendo de fato, mas às vezes os motivos que levavam àquela procrastinação eram uma tortura.
Entretanto, não adiantava tentar buscar soluções na internet, pois todos os lugares onde havia lido sobre essa resistência em fazer algo falava sobre o perfeccionismo, e a escritora tinha ciência de que não era o seu caso. Sim, ela aceitava com tranquilidade que seus texto não eram perfeitos e precisavam sempre de muita revisão, mas via cada um como o melhor que poderia fazer naquele momento, então acreditava que todos eram bons o suficiente.
— Você precisa de um café — disse a voz em sua mente.
— Agora não — respondeu ela.
— Agora sim, vamos — continuou a voz insistente.
— Não quero — ela continuava olhando para a tela.
— Claro que você quer.
— E quem te deixou petulante desse jeito?
— Você. — Ela não via um rosto, mas sabia que ele estava sorrindo.
O drama da escritora
O soldado ferido
Primeiras Lembranças
O começo de um sonho
Annabelle jogou a cabeça para trás e mexeu o pescoço de um lado para o outro assim que terminou de recolher a louça suja deixada na mesa pelas duas clientes que haviam acabado de sair do Art's Café.
— Cansada? — perguntou Felipe que trabalhava como caixa no café de seu pai, Arthur.
— Com calor… — respondeu a funcionária que usava um avental bege de sarja lisa com detalhes estampados nas cores vermelho e verde na barra, perto do pescoço, em volta de um único bolso e da fita para amarrar na cintura. Sobre esse bolso, ainda havia um Papai Noel bordado em patch aplique e ponto caseado. Ela tirou a bandana, da mesma estampa dos detalhes coloridos, já um pouco úmida na região das orelhas.
— Vou diminuir mais um pouco a temperatura do ar-condicionado — avisou o homem pegando o controle remoto branco. Como não estava atendendo as mesas naquele dia, ele usava suas roupas comuns, jeans e camiseta azul de mangas curtas com estampa remetendo a um filme de fantasia.
A mulher sorriu para o amigo em agradecimento.
O sinal que faltava
Muita coisa aconteceu nas vidas de Gregory e Stella desde que se conheceram no Brasil durante a primeira investigação internacional dos dois. Ambos não haviam completado 30 anos quando um assassino em série uniu as polícias de Las Vegas e Juiz de Fora para acabar com a trilha de sangue deixada pelo homem que atraía crianças para a morte. Caso resolvido, Greg, sua parceira, Sara, e o chefe dos dois, Jason, voltaram para os Estados Unidos deixando um convite para Stella se juntar a eles.
Meses mais tarde, era ela quem viajava para uma experiência trabalhando fora do país. Foi quase um ano e vários casos resolvidos até que a turbulenta noite da cidade estadunidense que nunca dorme a fez sentir saudade da relativa paz que tinha em sua cidade natal no interior de Minas Gerais. Com a promessa que voltaria para visitar os amigos que fez na equipe de peritos e investigadores de Las Vegas, Stella retornou ao Brasil.
Além do casual
Não era a primeira vez dela em Londres, porém, muita coisa havia mudado desde então. A Terra da Rainha agora tinha um rei, seu filho, que assumira o trono após a morte da mãe, e ela própria tinha uma herdeira. Era a primeira viagem internacional da bebê e o primeiro lugar que a mulher quis que a filha conhecesse. A cidade onde ela havia se apaixonado e sido correspondida pela primeira vez, evento o qual a motivou a acreditar que tinha o direito de ser feliz, sem o qual talvez nunca tivesse gerado uma criança.
As duas estavam na varanda do hotel terminando o café da manhã, quando, em uma conferida nas redes sociais de seu ator favorito, ela descobriu que o homem estava gravando na cidade aquela manhã. Buscando informações sobre o filme, a mulher se deparou com um convite irresistível. A equipe de filmagem estava procurando uma criança menor de 1 ano para gravar com o ator na cena final do filme.
A pequena loja de substantivos abstratos
O sininho em cima da porta da loja soou avisando ao velho homem atrás do balcão de madeira sobre a entrada da cliente. A jovem de cabelos pretos sorriu para o idoso que já conhecia de outras visitas e se apressou em dizer o que havia vindo buscar. Edgar sorriu enquanto Lara retirava a lista do bolso da calça jeans.
— Preciso de 5 meias verdades, 1 mentira e 3 alegrias, por favor.
— Pedido grande dessa vez… — comentou ele pegando pequenos potes de vidro vazios embaixo do balcão antes de se virar de frente para os maiores nos nichos da estante que cobria toda a parede atrás dele. — Algum motivo especial? Se me permite perguntar…
— Reunião de família — respondeu Lara sem se constranger enquanto seus olhos vagavam pela loja. Todo mundo levava aquele tipo de coisa para encontros como aquele. — O que tem naquele pote na vitrine, Edgar?
Amizade pra vida toda
O Paraíso de Francisca
“Lar é onde o bumbum descansa”, já dizia Pumba do filme “O Rei Leão”. Porém como descansar o corpo se a alma não acompanha? Francisca viveu por muitos anos aquele dilema. Amava infinitamente as pessoas à sua volta, mas não conseguia ter a certeza que recebia o mesmo sentimento em troca.
— Como alguém que ama não percebe a tristeza no coração da pessoa amada? — Se perguntava às vezes.
No entanto, quando recebeu um imenso apoio da família para ir atrás de seu sonho, ela percebeu que o sentimento era real. Ficaram felizes com a felicidade dela, e para Francisca, aquilo não podia ser outra coisa senão amor.
Visão limitada
A ‘Buscando Inspiração’ ocupava um andar inteiro do prédio comercial onde estava instalada. A agência era formada por fotógrafos profissionais que usavam sua criatividade em trabalhos variados capturando e vendendo imagens para sites, folhetos, convites, colunas de jornais e organizações, governamentais ou não. Era a realização do sonho de uma fotografa entusiasta e escritora que quis reunir os profissionais e proporcionar o contado deles com os clientes, mas garantindo por conta da empresa o salário fixo e comissão por projeto.
Com paredes de vidro, o salão retangular era bem iluminado e os fotógrafos tinham à disposição várias estações de trabalho com divisória, de forma que cada funcionário possuía o próprio computador onde podiam trabalhar as imagens fotografadas. O silêncio era garantido tanto pela altura, a sala ficava no 7º andar do prédio, quanto pelo chão forrado com um carpete bege. Aquela paz, no entanto, estava prestes a ser perturbada.
— Quem realmente quer corre atrás e dá um jeito! Essa é a minha opinião!
A Revolução das Máquinas
As duas amigas encontraram um lugar na arquibancada da arena e se acomodaram uma ao lado da outra. Na parte central da construção oval, em uma área coberta por areia, dois androides lutavam até a morte, ou como diziam as regras do combate, até um deles não ser mais capaz se sustentar as próprias estruturas.
— Isso é bárbaro demais, precisa acabar! — declarou Elisa passando os objetos que tirava da bolsa para a amiga ao seu lado.
— Mas eles aceitaram lutar, — retrucou Astoria.
— Não exatamente, né? Foram programados para isso. Não acho que escolheriam essa vida por livre e espontânea vontade tendo a habilidade de sentir dor.
Confidências
Cada um tem sua preferência quando o assunto é aproveitar o final de semana. Uns gostam de sair, outros de ficar em casa, mas é quase uma unanimidade a opção de ficar bem longe do trabalho. No entanto, Beatrice e Miguel fazem parte de uma minoria. Fotógrafos da agência Buscando Inspiração, os dois aproveitavam o tempo livre para mais fotografias. O diferencial estava no fato de poderem escolher onde e quais imagens capturar, e o que o casal mais amava era colecionar registros de construções em ruínas.
— Como você conseguiu autorização para entrar e fotografar a escola? — perguntou Beatrice acomodada no banco do carona do carro.
— Usei meu charme — respondeu Miguel piscando o olho direito para a amiga.
— Você pagou, né? — retrucou a mulher enquanto apertava os botões no painel do rádio do carro em busca de uma música que agradasse aos dois.
A magia que nos une
Todas as crianças do reino podem ter seus futuros cônjuges escolhidos pelos pais, mas há uma condição para que o jovem casal permaneça junto, mesmo que esse mostre afeição um pelo outro. Todos precisam passar pelo teste de serem enviados a um universo paralelo, sem magia, onde precisam se encontrar e se apaixonar um pelo outro. O primeiro beijo de amor do casal é o que os traz de volta para casa e concede a permissão para o casamento, apagando imediatamente qualquer indício da presença dos dois nesse local ao qual não pertencem.
Quando quatro amigos tiveram filhos, não hesitaram em sugerir que os bebês Abelis e Atrone um dia formassem um casal. A certeza era tanta de que as crianças passariam no teste que foram batizados de forma que seus nomes combinassem nos convites de casamento. Quando o jovem casal de amigos atingiu a maioridade, realmente já estavam enamorados, mas tiveram que se submeter às regras do reino como todos os outros.
Sua voz
Agora, que tal um romance com direito a primeiro beijo e um pouco de drama?
Conteúdo sensível: relato de agressão - sem descrição, apenas a menção ao fato.
Foram muitas mensagens trocadas via SMS, tecnologia que se popularizava em celulares no início dos anos 2000 e a preferida de Zephy. As conversas começaram tímidas e curtas, mas logo foram se estendendo à medida que crescia a intimidade entre ela e John.
Descobriram muitos gostos parecidos e deram boas risadas madrugada adentro, o único horário que o rapaz tinha disponível por conta dos estudos. A jovem não se importava, nunca teve o costume de dormir muito cedo. No entanto, o momento de conversarem pessoalmente pela segunda vez estava cada vez mais próximo e ambos conseguiam sentir.
“Estou com saudade de ouvir sua voz” digitou John.
Zephy começou a escrever sua resposta, mas apagou várias vezes. Não queria ferir os sentimentos dele, mas ela realmente não gostava de ouvir uma pessoa sem ver seu rosto, e por isso evitava telefonemas. O jovem percebeu pela demora o que estava acontecendo e enviou mais uma mensagem.
“Pode ser pessoalmente”.
“Quando?”
A proposta não demorou nem 10 segundos para aparecer na tela do celular de John e um sorriso iluminou o rosto dele enquanto digitava os dias e horários que tinha disponíveis.
Zephy também estudava, mas sem pensar muito sobre o que faria no futuro, pois o dinheiro da família garantia a ela a possibilidade de escolher ao que se dedicar. Literatura era sua paixão, mas ela não fazia distinção de gênero quando mergulhava nos livros. Era uma acumuladora de informações. Os três irmãos eram. Já John tinha o sonho de ser médico e com o trabalho além de ajudar os outros, fazer o mesmo por ele, garantindo a tão sonhada liberdade.
Autocontrole
A busca levou 1 ano e a todos os envolvidos estavam radiantes porem ter conseguido. O serial killer que tirou o sono dos investigadores finalmente estava em poder deles e, contrariando as estatísticas, era uma mulher. Seus traços teriam encantado pelo menos a metade dos oficias de segurança pública, não fosse a crueldade de seus atos e a firmeza em seu olhar.
Mais de cinquenta homens uniformizados enfileirados no corredor a encaravam, todos de arma em punho e expressão séria no rosto. No entanto, a jovem mulher não demonstrava o menor sinal de estar incomodada ou sequer com medo daquilo.
— Você está muito tranquila para quem provavelmente vai encarar o corredor da morte daqui a alguns meses — comentou o oficial.
— Sabe qual a característica mais conveniente para um serial killer? — perguntou ela.
— Frieza, falta de amor ao próximo...
— Autocontrole.
O oficial olhou para mulher com algemas nos pulsos e nos tornozelos com uma fina corrente unindo os membros e limitando seus movimentos e, por mais estranho que pudesse parecer, sentiu medo. Uma sensação desconfortável que aumentou quando ela sorriu.
Turista Espacial
A pequena comunidade se aglomerou na clareira no meio do bosque empunhando lanternas, velas e lamparinas ao redor do veículo recém-derrubado. Sentiam-se como heróis que haviam acabado de salvar sua pequena vila do ataque de alienígenas furiosos que tinham a intenção de destruí-los. Mas, ao contrário de sentirem-se aliviados, o que havia no rosto deles era frustração ao verem uma mulher de calça jeans, tênis e camisa branca se arrastar para fora da espaçonave.
A alienígena olhou com medo para seus captores enquanto amparava o braço direito com o esquerdo sem saber o que fazer com o enorme ferimento. O líquido de cor vermelho intensa escorria pelo corte deixando os moradores ainda mais certos de que se tratava apenas de uma brincadeira de mau gosto para zombar deles. Não era novidade pessoas virem de cidades mais populosas para encenar uma situação que os assustasse com o intuito de ganhar visibilidade na internet.
O homem mais velho foi o primeiro a cuspir no chão e virar as costas caminhando de volta para a sua casa na tentativa de evitar a neblina fria que começava a cair. Seguindo o seu exemplo, os demais moradores foram se afastando um a um sem ao menos oferecer ajuda à estrangeira ferida.
Aurora imaginou que seria deixada para morrer, mas um jovem rapaz não havia se mexido. Olhava para ela com curiosidade. Hugo estava com uma sensação estranha e inexplicável de que a criatura com a aparência de uma jovem mulher sentada de frente para ele realmente não era humana.
Ele caminhou na direção dela, e a ração da alienígena foi se arrastar alguns metros para longe dele. Aquilo fez Hugo parar onde estava.
Casual
No último dia 16 de novembro foi o aniversário de 13 anos do Universo Invisível, e apesar da pouca visualização e escassos comentários que recebo, nunca quis desistir de vez desse cantinho onde deixo extravasar minhas mais variadas ideias. É verdade que já abandonei o blog algumas vezes, nem sempre é possível superar a desmotivação, mas eu sempre volto e o meu Universo Invisível me acolhe como uma velha amiga.
Na postagem de hoje, um texto sem muita pretensão. Apenas um instante da vida de alguém. Os personagens não receberam nome deixando para quem ler imaginar, se assim desejar, a identidade de cada um. Espero que gostem!
Ela acordou na cama de casal e percebeu que estava sozinha, mas sabia que ele ainda estava por perto, afinal, era a casa dele. Um ator famoso. Seu coração acelerou só de imaginar, e sentir o lençol branco sobre seu corpo completamente nu a fez dar uma risadinha. Sabia que sentira a culpa mais tarde.
Ela não achava certo tal comportamento, não desejava aquele tipo de vida e nunca havia feito nada igual na vida. Mas também nunca havia voado de avião, viajado para fora do país, visitado um set de filmagem e nem mesmo conseguido chamar a atenção de um homem que tivesse despertado seu interesse.
Almas Gêmeas
Espero que vocês não tenham acreditado quando eu disse aqui que a história de Catarina e João começaria e terminaria em uma única postagem... bem... lá vamos nós de novo. Espero que vocês gostem dessa conversa entre a dupla.
A tarde estava amena, com o sol de outono aquecendo o corpo numa intensidade agradável, e o chá servido na mesinha redonda branca de ferro sobre o gramado no quintal dos fundos, de frente para a floresta, deixava tudo ainda mais perfeito.
Catarina e João estavam um de cada lado dela, reclinados sobre as espreguiçadeiras de madeira cobertas com almofadas envoltas num tecido de estampa floral de algodão, costuradas pelo próprio lobisomem. A bruxa havia se oferecido para fazer o serviço usando magia, mas ele gostava de trabalhos manuais.
— Você acredita em almas gêmeas? — perguntou João repousando a xícara do jogo de porcelana que ele havia comprado para ela sobre o pires antes de pegar um dos sanduíches de atum com cenoura.
Bebida e comida preparadas por ela usando magia tanto para acelerar o processo quanto para divertir o amigo.
O tempo que os dois viviam juntos permitia esse tipo de diálogo sem qualquer desconforto, mas a espontaneidade da pergunta inesperada fez Catarina sorrir. A mulher sentou e cruzou as pernas em posição de lótus com os pés ocultos embaixo dos joelhos e ficou olhando para o líquido vermelho dentro da xícara enquanto pensava no que responder.
— Depende do que você considera alma gêmea — disse ela por fim, olhando para o amigo à sua direita.
O Bilhete
Dessa vez não trouxe apenas uma cena, mas sim um conto curto com início, meio e fim. Uma das personagens inclusive já apareceu aqui no blog. Estão prontos para a pequena aventura em numa casa abandonada?
***
A ‘Buscando Inspiração’ nasceu no final dos anos 1990 da ideia de uma fotógrafa entusiasta que decidiu fundar a empresa dando chance àqueles que ela tanto apreciava e a inspiravam. A CEO além de apreciar muito o ofício da fotografia também era escritora. Seu objetivo principal era reunir vários profissionais na agência e proporcionar o contado deles com os clientes, mas garantindo por conta da empresa o salário fixo e comissão por projeto. Os trabalhos incluíam toda sorte de fotografias, desde projetos para sites, folhetos, convites para eventos e os próprios eventos, colunas de jornais ou revistas e trabalhos para organizações, governamentais ou não.
Por conta dessa variedade, Beatrice e Manuela, duas fotógrafas da Buscando Inspiração, não estranharam quando receberam na manhã de sexta-feira a missão de fazer o registro de imagens do interior da casa há muito tempo abandonada em uma das principais avenidas na cidade sede da agência no interior de Minas Gerais.
— Pelo menos a gente não vai precisar viajar hoje — disse Manuela agradecida já visualizando o final do seu dia tomando cerveja num bar com os amigos.
A mulher sem memória
— Está esperando alguém? — sua curiosidade havia atingido o limite.
— Nossa próxima cliente — William afastou a cortina mais uma vez e olhou para a calçada. — Só não entendo por que ela está demorando tanto para subir.
— Está hesitando? — John levantou e caminhou na direção da janela.
— Não, — respondeu o detetive confuso. — Ela está sentada na frente do gradil perto da porta.
John tomou o lugar do amigo para olhar a possível cliente.
— ELA ESTÁ COBERTA DE SANGUE! — gritou o homem irritado.
— Eu notei isso — William não parecia abalado. — Mas daqui não consegui definir se é dela ou não.
Quando o detetive terminou de falar olhou para onde John estava, mas ele já havia saído da sala e descia as escadas.