Sua voz

Esse conto já era para ter sido publicado, mas eu não tinha escrito. Então..., preciso localizar vocês onde ele se encaixa na linha do tempo do casal. Essa história se passa depois de ‘Primeiro Encontro’ e antes de ‘Tradições Natalinas’. Ambos estão aqui no blog e caso vocês não tenham lido, são dois contos bem curtinhos. De qualquer forma, como as histórias, apesar de serem sobre os mesmo personagens são independentes, não pretendo manter uma sequencia aqui enquanto publico.

Agora, que tal um romance com direito a primeiro beijo e um pouco de drama?

Conteúdo sensível: relato de agressão - sem descrição, apenas a menção ao fato.

Foram muitas mensagens trocadas via SMS, tecnologia que se popularizava em celulares no início dos anos 2000 e a preferida de Zephy. As conversas começaram tímidas e curtas, mas logo foram se estendendo à medida que crescia a intimidade entre ela e John.

Descobriram muitos gostos parecidos e deram boas risadas madrugada adentro, o único horário que o rapaz tinha disponível por conta dos estudos. A jovem não se importava, nunca teve o costume de dormir muito cedo. No entanto, o momento de conversarem pessoalmente pela segunda vez estava cada vez mais próximo e ambos conseguiam sentir.

Estou com saudade de ouvir sua voz” digitou John.

Zephy começou a escrever sua resposta, mas apagou várias vezes. Não queria ferir os sentimentos dele, mas ela realmente não gostava de ouvir uma pessoa sem ver seu rosto, e por isso evitava telefonemas. O jovem percebeu pela demora o que estava acontecendo e enviou mais uma mensagem.

Pode ser pessoalmente”.

Quando?

A proposta não demorou nem 10 segundos para aparecer na tela do celular de John e um sorriso iluminou o rosto dele enquanto digitava os dias e horários que tinha disponíveis.

Zephy também estudava, mas sem pensar muito sobre o que faria no futuro, pois o dinheiro da família garantia a ela a possibilidade de escolher ao que se dedicar. Literatura era sua paixão, mas ela não fazia distinção de gênero quando mergulhava nos livros. Era uma acumuladora de informações. Os três irmãos eram. Já John tinha o sonho de ser médico e com o trabalho além de ajudar os outros, fazer o mesmo por ele, garantindo a tão sonhada liberdade.

Os dois marcaram o encontro o mais breve que suas agendas possibilitaram e decidiram que uma caminhada pelo Regent's Park estava de bom tamanho para aquele segundo encontro. Ali poderiam não só desfrutar da companhia um do outro em um lugar agradável, mas também encontrar um local para comer caso o passeio despertasse o apetite. O clima agradável de início de verão, com um dia de céu azul com poucas nuvens, predominava sobre Londres na quarta-feira escolhida.

— Eu vou me encontrar com o John, — anunciou Zephy aos irmãos concentrados em um experimento sobre a mesa da cozinha, já pronta para sair. — Não sei que horas vou voltar.

— É aquele cara do café? — perguntou Wendy sem tirar os olhos da chama debaixo do Erlenmeyer.

— Ele mesmo — confirmou a jovem enquanto colocava o casaco apenas para tirá-lo e decidir levá-lo na mão. Estava quente demais para aquilo.

A gêmea mais nova fez uma careta.

— Ele é legal! Nós estamos conversando desde aquele dia — defendeu Zephy. — Vocês vão gostar de conhecer ele.

Os dois irmãos não fizeram comentários a respeito do possível novo amigo.

— Posso saber aonde vocês vão? — perguntou William erguendo o corpo e virando de frente para irmã enquanto segurava uma caneca e um maçarico.

— Regent’s Park — respondeu Zephy. — E não se atrevam a nos seguir.

— Jamais faria isso — respondeu o jovem fingindo perplexidade.

— Como se eu não te conhecesse — retrucou ela. — Agora melhor eu ir andando.

Os dois escolheram se encontrar no local marcado em vez de ir até a casa um do outro. Zephy avistou John assim que entrou no parque e percebeu que amigo estava muito ansioso. Ele esfregava as mãos e andava pequenas distâncias de um lado para o outro. Por alguns instantes, a jovem reparou que ele parecia mancar, mas talvez fosse só o nervosismo e ela decidiu ignorar. O mesmo não conseguia fazer com a sensação de ser seguida.

— Oi — disse ela se aproximando sem deixar de reparar na produção do garoto com uma calça jeans preta aparentemente nova, sapatos bem lustrados, e uma camisa branca com finas listras verticais pretas por baixo do casaco de brim branco.

— Oi — ao ouvir a voz da qual tinha saudade, ele imediatamente se virou de frente para a amiga com um sorriso no rosto.

— Você tá bonito — elogiou Zephy. — Não sabia que você iria se arrumar tanto. Desculpa. — Ela se sentiu um pouco desleixada usando jeans, All Stars amarelos, uma t-shirt azul-escuro com pequenas estrelas prateadas e o casaco bege que segurava dobrado sobre o braço direito.

— Você está linda — John levantou a mão esquerda e acariciou a lateral do rosto dela com o indicador.

— Obrigada — agradeceu a jovem. — Eu adoro esse parque! — exclamou ela antes de começar a andar.

Um pouco tímidos com a situação, os dois saíram andando lado a lado observando a natureza em volta enquanto conversavam amenidades. Depois de alguns minutos de caminhada, suas mãos se buscaram instintivamente uma à outra e mesmo o estranho seguidor, que observava os dois à distância, deixou de ser uma preocupação para Zephy. Ela já o havia reconhecido e sabia que não precisava se preocupar.

Sua atenção estava toda em John. Ele não percebeu que estavam sendo seguidos, mas havia uma preocupação em seu peito que nem todo o carinho da amiga estava conseguindo abrandar, principalmente porque era mantida em segredo.

— A gente pode sentar um pouco? — perguntou ele apontando para um dos bancos de madeira do jardim de rosas Queen Mary.

— Sim — respondeu ela o acompanhando enquanto apreciava as flores à sua volta.

Zephy já vinha observando certa dificuldade no caminhar dele, mas não quis perguntar o motivo, no entanto, quando John gemeu ao se sentar apoiando a mão direita sobre o quadril enquanto aumentava por alguns instantes a força com que segurava a mão dela com a esquerda, a jovem não se conteve.

— Não é nada — respondeu ele engolindo em seco.

— Não seria se você tivesse uns 98 anos, mas eu tenho certeza que você é bem mais novo — ela sorriu enquanto se acomodava ao lado do amigo.

— Tenho 21 — informou ele e de repente ficou receoso por nunca ter perguntado a idade dela. — Você tem mais de 18, não é?

— Ainda não..., mas estou bem perto disso — respondeu ela mordendo o lábio inferior. — Ano que vem eu completo.

Os dois riram um para o outro.

— Você ficou com medo de eu ter, sei lá, uns 15? — quis saber ela.

— Um pouco — ele coçou a cabeça.

— O responsável legal da casa é o William, mas sou eu que tomo conta da burocracia no fim das contas... — explicou ela. — Mas agora me conta. O que aconteceu? Você caiu? Se machucou?

John negou com um aceno de cabeça. Não queria mentir, mas sentia vergonha de falar a verdade.

— Me conta, — Zephy se aproximou do amigo. — Eu guardo segredo.

— Eu ia te trazer flores — revelou ele com os olhos cheios de lágrimas.

A jovem achou estranha a revelação e não entendeu a relação daquilo com o que havia acontecido, mas preferiu esperar John continuar.

— Mas ele destruiu, e me bateu — um soluço revelou toda dor que o jovem vinha guardando no peito.

Os braços de Zephy contornaram o corpo do amigo e ela o acolheu num abraço.

— Quem fez isso? — perguntou ao ouvido dele.

— Meu pai — sussurrou John com a cabeça apoiada sobre o ombro direito dela.

— Por quê? — A jovem não conseguia entender aquele tipo de comportamento.

— Desperdicei dinheiro com as flores — respondeu ele achando que ela queria saber o motivo da surra. — Era meu dinheiro, que eu ganho digitando os trabalhos dos meus colegas. Posso gastar com o que eu quiser. — O jovem levantou a cabeça e olhou para a amiga.

— A gente precisa denunciar seu pai para a polícia! — recomendou ela.

— Calma, não. Não é para tanto — John sorriu. — Seus pais nunca bateram em você, ou nos seus irmãos?

— Nunca — afirmou ela com certeza e serenidade. — E olha que a gente sabe ser bem irritante quando quer.

— Deve ser bom viver assim — disse o jovem. — Sem sentir medo dentro de casa.

— É por isso que a Harriet foi embora?

Ele confirmou em silêncio mais uma vez.

— Por que você não foi com ela?

— Ainda estou estudando e não acho justo.

As frases curtas e a dor de declarar cada uma desencorajaram Zephy a continuar perguntando. Não era o planejado para aquele segundo encontro, o primeiro sozinhos. Entretanto, ela gostaria de ter recebido as flores.

— Pode ir lá para casa sempre que precisar, tá! — anunciou a jovem feliz com a própria ideia. — Qualquer dia, qualquer horário, mesmo que eu não esteja em casa. — Ela pegou o celular no bolso do casaco, escreveu o endereço e enviou por SMS para ele.

— Obrigado.

— É sério, pode ir mesmo! E não se incomode com o jeito dos meus irmãos, eles são um pouco estranhos, mas inofensivos.

John sorriu com o reforço da amiga.

— Você vai estar seguro com a gente — disse ela, mas fez uma pausa para reconsiderar. — Bom, seguro o suficiente quando você tem dois irmãos que usam a cozinha de casa para fazer experimentos como se estivessem em um laboratório.

Dessa vez a risada do jovem saiu com vontade. Hipnotizada pelo som, Zephy inclinou o corpo para frente e beijou a bochecha direita de John que imediatamente ruborizou com o gesto. Ela não ficou com o rosto menos vermelho e seu coração acelerou quando percebeu o amigo se aproximando para tocar os lábios dela com os seus.

Zephy não desviou e recebeu o beijo de John que começou tímido e aos poucos foi ganhando desenvoltura a medida que ambos ficavam mais à vontade. Ela apoiou os braços sobre os ombros dele e sentiu quando a mão do amigo tocou suas costas quase na altura do quadril juntando o corpo dos dois.

Por mais que estivesse gostando, Zephy se conteve e terminou o beijo antes que o vigia que observava os dois ligasse para a polícia. Para não assustar John, ela preferiu omitir esse detalhe e ter uma conversa com William mais tarde.

Ofegantes, eles olhavam um para o outro com os olhos brilhando, ambos felizes com o que haviam acabado de fazer. A jovem mantinha as mãos apoiadas no rosto de John e escorregava os polegares sobre seus lábios limpando suavemente as marcas do batom transferido dela para ele.

— Quer namorar comigo? — perguntou o jovem encantado com o sorriso no rosto da amada. O mais lindo que já havia visto nela.

— Sim — respondeu Zephy com as maçãs do rosto ardendo. Era a primeira vez que alguém a pedia em namoro.

John segurou as mãos dela e beijou os dorsos deixando a jovem sem saber se o abraçava ou o beijava novamente. Ela decidiu fazer os dois e assim seguiu a tarde até o fim daquele segundo primeiro encontro.

Quando chegou desacompanhada, pois o namorado não pôde levá-la até em casa, Zephy foi direto atrás de William. Não podia esperar nem mais um minuto para conversar com o irmão.

— Acho que fui bem específica quando disse que não era para você me seguir — reclamou ela em pé no meio da biblioteca onde ele lia serenamente deitado na espreguiçadeira de estofado marrom escuro, combinando com as cortinas de veludo vermelho.

— E eu não te segui — retrucou ele mal levantando os olhos do livro que segurava.

— Isso incluiu mandar seus amigos me espionarem — continuou Zephy.

— Isso você não especificou Pequena Sereia — ele usou o apelido de infância para irritá-la.

— Será que sua compreensão está sendo afetada pela distância do mar, Corsário Valente? — Ela devolveu a provocação da mesma forma. — Melhor ficar de olho nisso — continuou ela sorrindo para a irmã que estava parada na porta ouvindo a conversa.

Se os dois estavam evocando seus apelidos de infância, Wendy sabia que os irmãos estavam se provocando e ela não poderia perder a chance de participar. Só precisava saber se apoiaria alguns dos dois ou se apenas acrescentaria mais lenha na fogueira.

— É melhor que vocês se acostumem logo com o John, porque estamos namorando — informou Zephy.

— Vocês não podem namorar! — protestou Wendy. — Ele é muito mais velho do que você!

— Nem tanto — a gêmea mais velha fez uma careta. — Só um pouquinho... — ela fez um biquinho com os lábios.

William fechou o livro, deixou sobre a mesinha ao lado da espreguiçadeira e se levantou.

— Você está feliz? — perguntou ele passando o braço direito sobre os ombros da irmã.

Ela respondeu com um aceno de cabeça.

— Então nós dois não temos por que interferir — declarou ele esticando o braço esquerdo na direção de Wendy e abraçando quando ela se aproximou. — Esse tal de John parece ser um bom sujeito, mas vamos ficar de olho em vocês dois e você sabe que pode contar com a gente para te proteger sempre.

— Ele também precisa de proteção — declarou Zephy sem pensar.

— Por quê? — perguntou Wendy.

— Acho que preciso perguntar primeiro para ele se posso contar pra vocês... — lamentou a jovem que não escondia nada dos irmãos. — O segredo não é meu — acrescentou.

— Acho que eu imagino do que se trata — declarou William. — Mas não precisa quebrar a confiança dele só para satisfazer nossa curiosidade.

— Obrigada — agradeceu ela e os três se abraçaram antes de se afastarem prontos para voltar aos seus afazeres. — Ah, William só mais uma coisa — disse Zephy já perto da porta ao lado da irmã. — Seja lá quanto você pagou pro Victor, foi caro.

— Por quê? — O irmão mais velho já estava se acomodando para voltar à leitura.

— O básico quando vai seguir uma pessoa é não ser visto — declarou ela.

Os três irmãos riram da inabilidade do amigo de William.

E então, gostaram desse conto com romance, angústia e um pouco de humor? Espero que sim! Me digam nos comentários e falem se vocês querem mais contos com o casal Zephy e John!

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