Turista Espacial

A pequena comunidade se aglomerou na clareira no meio do bosque empunhando lanternas, velas e lamparinas ao redor do veículo recém-derrubado. Sentiam-se como heróis que haviam acabado de salvar sua pequena vila do ataque de alienígenas furiosos que tinham a intenção de destruí-los. Mas, ao contrário de sentirem-se aliviados, o que havia no rosto deles era frustração ao verem uma mulher de calça jeans, tênis e camisa branca se arrastar para fora da espaçonave.

A alienígena olhou com medo para seus captores enquanto amparava o braço direito com o esquerdo sem saber o que fazer com o enorme ferimento. O líquido de cor vermelho intensa escorria pelo corte deixando os moradores ainda mais certos de que se tratava apenas de uma brincadeira de mau gosto para zombar deles. Não era novidade pessoas virem de cidades mais populosas para encenar uma situação que os assustasse com o intuito de ganhar visibilidade na internet.

O homem mais velho foi o primeiro a cuspir no chão e virar as costas caminhando de volta para a sua casa na tentativa de evitar a neblina fria que começava a cair. Seguindo o seu exemplo, os demais moradores foram se afastando um a um sem ao menos oferecer ajuda à estrangeira ferida.

Aurora imaginou que seria deixada para morrer, mas um jovem rapaz não havia se mexido. Olhava para ela com curiosidade. Hugo estava com uma sensação estranha e inexplicável de que a criatura com a aparência de uma jovem mulher sentada de frente para ele realmente não era humana.

Ele caminhou na direção dela, e a ração da alienígena foi se arrastar alguns metros para longe dele. Aquilo fez Hugo parar onde estava.

— Posso te ajudar? — perguntou ele.

Aurora aproximou o braço ferido do peito.

— Você entende o que eu falo? — Ele tombou a cabeça para a direita.

— É português, não é? — disse ela finalmente.

— Isso. — Hugo arriscou mais um passo adiante e dessa vez a alienígena não se moveu.

— Um idioma meio complicado — declarou ela. — Acho que levei mais de 120 anos terrenos até conseguir fazer soar naturalmente.

A revelação gerou um desconforto que resultou em um silêncio quase palpável entre os dois. O jovem estava perto de completar trinta anos, mas jamais imaginaria que aquela mulher era tão mais velha do que ele. Na verdade, achava difícil acreditar que alguém com tanta idade tivesse uma aparência tão jovem e saudável.

— Nossa aparência é semelhante, mas a fisiologia é completamente diferente — respondeu ela.

— Você lê pensamentos? — Subitamente o medo tomou conta dele.

— Não, — a alienígena sorriu um pouco arrependida da reação que causou. — Está estampado na sua cara.

De repente a espaçonave de onde ela havia saído, e estava caída sem condições de voar novamente, começou a brilhar. Era uma luz tão intensa que Hugo cobriu os olhos com o antebraço direito e não viu o veículo desaparecer sem deixar rastros.

Quando o jovem percebeu que a luminosidade da floresta tinha voltado ao normal, ele abriu os olhos e se espantou por encontrar apenas a única tripulante da nave sentada no chão aparentemente sem ter como voltar para casa. Mas ao contrário do que esperava, ela permanecia com o semblante tranquilo. Agora a luz da lanterna que trazia era a única fonte luminosa disponível.

— Sumiu... — ele apontou a lanterna para o local onde estava a nave.

— Como você acha que nunca conseguiram evidência de vida extraterrestre? — Estava cada vez mais difícil para ela ignorar a dor que sentia. — Mesmo que resgatem as peças, elas somem.

— E como você faz para voltar?

— Espero alguém passar por aqui e pego uma carona.

— E se alguém resgatar você?

— Viro experimento em um laboratório e apodreço rapidamente.

Hugo não fez comentário a respeito daquele comportamento tipicamente humano de nem sempre tratar muito bem outras espécies por se julgarem superiores a elas.

— E porque você vem para a Terra? Correndo esse tipo de perigo?

— O planeta de vocês é muito bonito, é uma tentação irresistível. Principalmente dada a nossa semelhança física que nos deixa passar despercebidos. — Aurora levantou uma das tiras rasgadas de sua camisa e olhou o ferimento no braço. Estava muito feio e ela precisava estancar aquilo o quanto antes. — Você ainda vai me ajudar?

— Você não parece nada bem — Hugo finalmente cruzou a distância que separava os dois. — Isso não é tóxico para mim não, é? — Ele indicou o líquido vermelho.

— Se você está com receio dele nessa cor, deveria ver na forma natural.

— Seu sangue não é vermelho?

— Não, — com um pouco de dificuldade, Aurora ficou de pé. — A atmosfera de vocês é que deixa assim.

— Muito útil! — afirmou ele.

— Sinceramente preferia não correr o risco de desidratar toda vez que venho aqui — disse ela com ironia na voz. — É um transtorno precisar repor tudo bebendo água.

Aquilo não fez sentido para o jovem, pois imaginava coisas piores como consequência de uma hemorragia do que desidratação, e muito menos que fosse possível repor dessa forma.

— Eu te falei que nossa fisiologia é diferente.

— Você lê mente sim! — contestou ele.

— Já disse que não, — reforçou a alienígena. — Vocês humanos é que são óbvios demais. Chega a ser entediante às vezes.

Sinceridade era um dos costumes no lugar onde ela vivia, e Hugo não se sentiu ofendido com aquilo. Na verdade não conseguia deixar de concordar com a extraterrestre. Assim, o jovem resolveu ajudar a alienígena e deixar outras perguntas para mais tarde.

— Vem, você pode ficar na minha casa — convidou ele.

— Aurora — disse ela.

— O que?

— Meu nome... — Ela riu por precisar explicar.

— Ah, Hugo — respondeu o jovem entendendo o que se tratava.

A alienígena apenas acenou com a cabeça em negativa enquanto ele passava o braço em torno da cintura dela para ampará-la.

(...)
— Calma, eu sei que dói. Eu sei — disse ele terminando de limpar o ferimento com um pano encharcado com água antes de começar o curativo enquanto Aurora gemia baixinho.

A casa onde Hugo morava sozinho era simples com apenas sala, quarto, banheiro e cozinha. Todos os cômodos quadrados e pequenos demais para abrigar toda a mobília. A porta do guarda-roupa esbarrava nos pés da cama de solteiro ao abrir, e na cozinha, era impossível abrir as portas da geladeira e do fogão ao mesmo tempo. As refeições precisavam ser feitas no único sofá de dois lugares na sala, pois se houvesse uma mesa na cozinha jamais se abririam os armários.

O que atraía o rapaz o suficiente para permanecer no local era o terreno enorme em volta da casa. Um jardim com pomar na frente e uma horta nos fundos. Além da calmaria da vila. Ele estava exausto da agitação e violência da cidade grande. Quando a família quis vender a casa da avó naquela cidade encravada no interior de Minas Gerais, ele comprou a parte de todos e se mudou para lá. Trocou o asfalto e algumas praticidades do centro urbano pela tranquilidade e as cachoeiras.

— Tem certeza que não precisa de um antisséptico? — perguntou ele olhando para o ferimento aberto.

— Não se preocupe, eu me regenero bem rápido — respondeu ela acomodada sobre a cama perto dele. — Talvez inclusive eu precise continuar usando os curativos por mais tempo do que o necessário para não perturbar a harmonia daqui.

Hugo torceu o pano que usava dentro da bacia agora com a água turva pelo sangue da alienígena e voltou a passá-lo sobre o ferimento.

— Você não se importa que eu fique aqui, não é? — perguntou Aurora. — Enquanto espero por uma carona.

— Tudo bem, — ele olhou para ela com um sorriso no rosto. — Pode ficar. Só não tenho muito espaço para dormir. É aqui ou na sala.

— A sala está bom o suficiente para mim — respondeu ela.

— Você dorme?

Aurora deu uma gargalhada.

— Me desculpa, — pediu ela. — A gente conhece tanto de vocês que é estranho vocês saberem tão pouco sobre a gente.

— Talvez se vocês não desaparecessem...

— Nos tornaríamos cobaias maravilhosas — afirmou ela.

Hugo não retrucou, pois sabia que ela estava com a razão.

— Não viajam com armas para se defender? — Ele levantou e deixou a bacia suja no chão antes de pegar esparadrapo e ataduras dentro do guarda-roupa.

— Quando estamos fazendo turismo não, — negou ela.

Os dois trocaram um olhar, mas o jovem não fez nenhuma pergunta. Mesmo assim, Aurora respondeu.

— A Galáxia tem leis e não saímos atacando a torto e a direito. Principalmente planetas com pouca capacidade de revidar. — Ela deu uma risadinha.

Hugo olhou assustado para ela, mas não ficou com surpreso com a afirmativa. O máximo potencial destrutivo que os terráqueos pareciam ter era para devastar o próprio planeta.

— Eles ficaram decepcionados quando perceberam que você não era uma criatura magrela, verde e com anteninhas — comentou ele sentando novamente perto da alienígena.

Ela riu.

— Já foi complicado o suficiente me livrar dos policiais na Inglaterra sem ter documentos para apresentar tendo essa aparência humana.

— Você já esteve na Inglaterra! — exclamou ele animado.

— Hugo, eu tenho uma espaçonave! Ou pelo menos tinha... — Ela fez um biquinho com os lábios enquanto o jovem terminava de colar com esparadrapo a atadura recém-colocada ao redor do ferimento.

— E como você escapou? Dos policiais?

— Por sorte um alienígena que passava por perto provocou uma distração por tempo suficiente para que eu corresse de volta para minha espaçonave e saísse do planeta.

— Eu queria viajar para o exterior...

— Sempre morou aqui?

— Não, — ele acenou com a cabeça em negativa. — Morava em uma cidade maior, mas queria um pouco de tranquilidade — respondeu enquanto passava a mão sobre o joelho esquerdo.

— Acidental ou criminoso? — perguntou ela.

— O que? — Ele sorriu sem entender.

— Seu ferimento no joelho.

Hugo olhou para ela e depois para a própria mão sobre a perna.

— A forma como você acariciou o joelho, não foi ao acaso. Imagino que seja um hábito que tem ao falar no assunto, mas nunca percebeu — explicou ela. — Errei muito?

— Acertou em cheio — respondeu o jovem com o semblante sério. — Foi um tiro, mas não quero falar sobre isso.

Desencorajada pela mudança de humor dele, Aurora apenas acenou com a cabeça oferecendo um sorriso compreensivo e encerrando a conversa, mesmo com muita curiosidade para saber o que havia acontecido.

— Está com fome? — perguntou ele recuperando a animação. — O que você come?

— Plantas no geral.

— Você é herbívora?

— Acho que não é esse o nome que vocês usam... — argumentou ela, pensativa.

— Vegetariana?

— Isso! — Aurora reconheceu que precisava anotar aquele nome. — Mas se não se importa, eu gostaria de descansar um pouco antes.

— Claro, deve estar cansada da viagem, e da queda... — disse ele guardando as sobras do esparadrapo e das ataduras antes de se abaixar para pegar a bacia com água suja.

A alienígena se levantou da cama pronta para acompanhá-lo para fora do quarto.

— Achei que fosse descansar — disse ele.

— Combinei que ficaria na sala — lembrou ela.

— Não precisa — retrucou Hugo. — Já está quase amanhecendo. Fica aqui no quarto e deixa que eu me ajeito na sala. Fica mais fácil de não te incomodar se eu precisar ir a algum lugar.

— Tudo bem — concordou Aurora.

— Se quiser tirar essa camisa suja, pode pegar algo que te sirva no guarda-roupa — recomendou ele antes de sair e encostar a porta para dar privacidade a ela.

Aurora não compartilhou todas as suas habilidades com o terráqueo. Apesar de ele parecer ser uma boa pessoa, ela sabia que não podia confiar completamente neles. Já havia se dado mal por ter sido ingênua demais e aprendera sua lição. Ela realmente não conseguia ler mentes, de seres humanos, mas conseguia perceber que Hugo escondia segredos, e não eram poucos. Precisava se proteger de toda forma que pudesse enquanto esperava a carona de volta para casa.

 

E tudo começou comigo tentando escrever um conto para um concurso e percebendo minha dificuldade com prazos e temas. Eu até escrevo rápido, mas obedecer a um tema é algo bem complicado para mim. Não sei como vou resolver isso para conseguir participar de pelo menos 1 até o fim do ano.

O que acharam dessa história? Ou pode-se chamar de introdução da série, porque é óbvio que Aurora e Hugo vão aparecer por aqui de novo. Sei que estou “queimando” histórias inéditas publicando aqui ao invés de guardar para participar de algum concurso, mas também prometi continuar mantendo o blog ativo. Então, o jeito é ter mais ideias!

2 comentários:

  1. Eu amo continuar lendo cada escrita sua, a evolução e mudança na forma da escrita é maravilhosa.
    Beijos.


    https://www.parafraseandocomvanessa.com.br/

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    1. Oi Vanessa,
      Fico feliz que esteja gostando e percebendo essa sutil mudança para melhor!

      Beijos;

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