A mulher sem memória

Dando continuidade as cenas que venho postando aqui no blog, essa de hoje é um pouco tensa, mas está mais para hurt/comfort e como é bem leve, não vejo motivo para restrições ou necessidade de aviso de gatilho. Fiquem à vontade para ler, divirtam-se e não deixem de comentar!

Mesmo com o início de tarde monótono, William não demonstrava o menor sinal de estar entediado. Muito pelo contrário, ele estava animado e já era a terceira vez que o detetive particular olhava pela janela. Acomodado em sua poltrona seu amigo, John, acompanhava a movimentação dele.

— Está esperando alguém? — sua curiosidade havia atingido o limite.

— Nossa próxima cliente — William afastou a cortina mais uma vez e olhou para a calçada. — Só não entendo por que ela está demorando tanto para subir.

— Está hesitando? — John levantou e caminhou na direção da janela.

— Não, — respondeu o detetive confuso. — Ela está sentada na frente do gradil perto da porta.

John tomou o lugar do amigo para olhar a possível cliente.

— ELA ESTÁ COBERTA DE SANGUE! — gritou o homem irritado.

— Eu notei isso — William não parecia abalado. — Mas daqui não consegui definir se é dela ou não.

Quando o detetive terminou de falar olhou para onde John estava, mas ele já havia saído da sala e descia as escadas.

A mulher tentava estancar o sangramento devido a um ferimento em sua testa próximo a têmpora esquerda sem muito sucesso. John se abaixou na frente dela tentando analisar o corte.

— Posso te ajudar? — pediu ele.

— Você é o detetive particular McMillan? Estou procurando por ele — a mulher tentou levantar a cabeça e olhar para quem fazia a pergunta, mas ao sentir a dor sob a mão ensanguentada desistiu.

— Eu conheço o William, e estamos na frente do apartamento onde ele mora — explicou John. — Mas eu queria te ajudar com esse ferimento. Sou médico.

A mulher ficou aliviada por finalmente ter conseguido chegar aonde precisava e virou a cabeça de lado para ver o homem de cabelos loiros e sorriso acolhedor abaixado na sua frente.

— Meu nome é John.

Ela apenas sorriu quando seus olhos castanhos encontraram os azuis acinzentados dele, mas não disse seu nome como ele esperava que acontecesse. O gesto, no entanto, quase fez o coração do homem parar.

Por mais que mulher parecesse não reconhecê-lo, John sabia muito bem quem ela era. Já havia encontrado conforto naqueles olhos tantas vezes que ficou sem saber como reagir ao vê-los de novo.

— Zephy... — pronunciou ele quase sussurrando sem conseguir acreditar no que estava acontecendo.

Não fazia muitos meses que sua esposa havia morrido e ele se sentiu tão desamparado na ocasião, que imaginou nunca mais ter seu coração acelerado da forma que estava. John queria abraçar a mulher, mostrar quanto estava feliz por tê-la de volta, mas ela não parecia tê-lo reconhecido, e isso certamente a assustaria. Não tinha motivos para duvidar que sua primeira namorada, há tanto tempo sequestrada, havia conseguido fugir de seus raptores e estava de volta.

— Vem comigo — John a ajudou a ficar de pé e entrou com a mulher no sobrado de dois andares no centro de Londres onde o amigo morava para evitar a aglomeração de curiosos que começava a se formar.

Foi então que mais um detalhe veio em sua mente.

Zephy era irmã de William, mas ele havia esquecido tanto dela quanto de Wendy, sua outra irmã, por anos, e Alexander, o mais velho dos quatro, foi taxativo quando impediu John de mencionar o assunto dois anos atrás quando ele foi morar com o amigo.

Molly, amiga deles e namorada de William, também evitava o assunto seguindo as mesmas ordens. O trauma que o jovem sofreu quando Wendy matou seu melhor amigo, Victor, e logo depois Zephy desapareceu havia sido grande o suficiente para ele esquecer tudo o que haviam vivido na juventude.

Eram tantas informações a serem esclarecidas que, ao chegarem ao andar superior, John torceu para que William não se lembrasse da irmã. Pelo menos por enquanto.

— Esqueceu onde nós atendemos os clientes, John? — perguntou William quando a dupla entrou no apartamento pela porta da cozinha.

Ele não chegou a gritar, mas falou alto o suficiente para que ambos o escutassem.

— Espere aqui — o médico ignorou por completo enquanto puxava uma das cadeiras de perto da mesa para que a mulher pudesse sentar e foi buscar o kit de primeiros socorros no banheiro, aliviado por não ter havido reconhecimento por parte de nenhum dos dois.

William estava acomodado em uma poltrona na sala e continuava olhando impaciente em direção à cozinha. Sem pressa, John pegou tudo que precisava e de pé do lado direito da mulher começou a limpar o ferimento com um algodão embebido em soro fisiológico. Assim que localizou a origem do sangramento, usou gazes secas para estancá-lo.

Era impossível não pensar na cicatriz que havia em suas costas, perto da região do quadril, resultado de um ferimento que a amiga havia cuidado com muito carinho. Aquela marca, por mais dolorosa que fosse a causa, trazia boas lembranças de sua juventude.

— Vai arder um pouco — ele avisou antes de passar um algodão embebido em antisséptico sobre o corte.

Mesmo tentando se controlar, ela não conseguiu conter as lágrimas que brotaram em seus olhos e escorreram pelo seu rosto com a dor que sentiu.

— O corte é muito profundo, vou precisar dar alguns pontos — avisou o médico lamentando a dor que estava causando a ela.

— Tudo bem... — mesmo se sentindo um pouco desorientada, algo dizia para ela confiar nele.

Por mais estranha que fosse a sensação, a mulher sentia que de alguma forma estava em casa.

Ela esperava por mais dor, no entanto, quando não a sentiu conseguiu finalmente relaxar o corpo. Imaginou que o médico devia ter aplicado um anestésico no local e ficou grata por isso. Não queria reclamar, mas quase já não estava aguentando mais.

Percebendo que o pior havia passado, ela direcionou sua atenção para o homem que estava no outro cômodo sentando de frente para porta da cozinha, parcialmente bloqueado por uma poltrona.

Roupas sociais, cachos pretos emoldurando seu rosto e olhar fixo nela com um semblante que transmitia sua impaciência.

Será esse o tal detetive McMillan que pode me ajudar? — pensou.

Ela ficou um pouco amedrontada com a perspectiva e um tremor suave sacudiu seu corpo.

— Quase terminando — anunciou o médico.

A mulher voltou a atenção para o homem que cuidava dela e ficou envergonhada ao perceber que havia repousado a cabeça sobre o peito dele. Ela imediatamente tentou corrigir a postura, mas John, de forma firme e ao mesmo tempo delicada, usou o pulso direito para mantê-la no lugar onde estava.

— Não se incomode — ele sorriu ao se lembrar de toda a intimidade que já haviam compartilhado enquanto dava o último nó antes de cortar o fio. — Agora se quiser se limpar antes que eu cubra os pontos com uma gaze, pode usar o banheiro — ele apontou para o pequeno corredor aos fundos do cômodo.

A mulher agradeceu antes de levantar e caminhar um pouco vacilante fechando a porta depois de passar. A dúvida se havia tomado a decisão certa de procurar o detetive particular logo surgiu. O médico parecia ser um bom homem, mas o outro a estava deixando com medo.

Enquanto a água limpava o sangue de suas mãos e rosto, ela pensava em alternativas que poderia ter buscado, como a polícia. Mas a ordem em sua mente para procurar especificamente por McMillan era forte demais para ser ignorada. Os responsáveis pelo seu sequestro tinham infiltrados em praticamente todos os lugares e não podia confiar em qualquer pessoa.

Quando olhou seu reflexo no espelho, o pânico tomou conta da mulher e antes que se arrependesse, ela decidiu continuar com a ideia. Quase esbarrou no médico que a esperava perto da porta do banheiro ao sair apressada.

— Vou terminar de fazer o curativo lá na sala — ele a conduziu para o cômodo adjacente e ofereceu uma cadeira de frente para as duas poltronas.

Enquanto John terminava de cobrir o machucado, o outro homem a olhava de forma ainda mais incômoda com seus olhos fixos parecendo analisar cada centímetro seu. Quando terminou o que fazia, o médico sentou na poltrona vazia à esquerda dela, e a mulher foi quem quebrou o silêncio.

— Você o detetive particular McMillan — a pergunta acabou saindo com a entonação errada e pareceu mais uma afirmativa.

— Sim, mas isso todo mundo aqui já sabe — o homem confirmou. — A única pessoa sem identificação nessa sala é você — ele estava com as mãos juntas uma a outra e apontou os dedos indicadores para ela. — Então podemos começar por aí. Quem é você?

— Eu não sei — os olhos da mulher se encheram de lágrimas. — Eu preciso da sua ajuda para saber quem eu sou. Me disseram que o senhor é o único capaz disso.

O rosto de William se iluminou com um sorriso pela certeza de que teria um caso para resolver, enquanto isso John começou a entender a intenção da pessoa que a havia mandado até ali. No entanto, com a falta de reconhecimento por parte do amigo, precisaria contar o que estava acontecendo para o outro irmão.

Aquele que o havia impedido de tocar no assunto por anos. Não havia mais motivos para esconder a verdade. Audrey Zephyrus McMillan finalmente estava de volta em casa.

E então, gostaram? Como eu expliquei na postagem ‘PrimeiroEncontro’, essa cena faz parte de um universo que criei, mas não pretendo explorar em forma de livro ou história linear, apenas algumas cenas aleatórias. Ela foi inspirada na minha fanfic, Memórias Anônimas que está completa no Wattpad, caso alguém tenha interesse: saiba mais. A fanfic segue um caminho completamente diferente dessa cena.

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8 comentários:

  1. Você escreve supeeer bem!
    Sério, parabéns! :)

    https://www.heyimwiththeband.com.br/

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    1. Muito obrigada!! :3
      Fico muito feliz que você tenha gostado!!

      Beijos;

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  2. Muito bom Helaina, daria um super livro (mesmo você não tendo intenção de fazê-lo). :)

    Um abraço!

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    1. Oi Camila;
      Muito obrigada!
      Eu gosto muito dessa história, me sinto muito confortável pensando nela. Por enquanto vou publicando cenas fora de ordem, mas talvez um dia eu coloque todas em sequência e publique no Wattpad. Quem sabe...

      Abraço!

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  3. Oi Cá.
    Mulher que tô curiosa, gente como assim essa mulher era do passado deles e o amigo parece ignorar isso.
    Ansiosa já.
    Beijos
    Te Conto Poeisa

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    1. Oi Camila,
      Hahahaha... essa história é baseada na que eu deixei o link no final da postagem, então se você quiser saber como aconteceu na original, é só acessar. Já está completa! Essa aqui vão ser mais cenas aleatórias mesmo.

      Beijos;

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  4. Oi Helaina,
    Super acho que você deveria investir nessa história, viu?
    Deixa guardadinho, quem sabe um dia a inspiração para mais não vem?
    Parabéns!
    beeeijos
    http://estante-da-ale.blogspot.com/

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    1. Oi Alessandra,

      Fico feliz que você tenha gostado! :)

      Na verdade eu já tenho a história pronta e publicada no Wattpad, que é o link no final do post, essa cena é só uma brincadeira que quis fazer com o texto. Desenvolver algumas coisas diferentes da original. Não tem valido à pena o esforço de escrever livros, já são 20 anos publicando para quase ninguém ler. Por isso resolvi usar a escrita como terapia e publicar algumas coisas de maneira aleatória.

      Beijos;

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