Mais um suspiro em frente a tela em branco transparecia o quanto aquilo havia se tornando um sacrifício sem que ela tivesse percebido. Já havia visto lido em várias postagens no Pinterest que geralmente se passa mais tempo pensando em escrever um livro do que escrevendo de fato, mas às vezes os motivos que levavam àquela procrastinação eram uma tortura.
Entretanto, não adiantava tentar buscar soluções na internet, pois todos os lugares onde havia lido sobre essa resistência em fazer algo falava sobre o perfeccionismo, e a escritora tinha ciência de que não era o seu caso. Sim, ela aceitava com tranquilidade que seus texto não eram perfeitos e precisavam sempre de muita revisão, mas via cada um como o melhor que poderia fazer naquele momento, então acreditava que todos eram bons o suficiente.
— Você precisa de um café — disse a voz em sua mente.
— Agora não — respondeu ela.
— Agora sim, vamos — continuou a voz insistente.
— Não quero — ela continuava olhando para a tela.
— Claro que você quer.
— E quem te deixou petulante desse jeito?
— Você. — Ela não via um rosto, mas sabia que ele estava sorrindo.
O drama da escritora
O soldado ferido
Sangue inocente
— Não precisa me esperar acordada — disse João, o lobisomem, enquanto se livrava das roupas antes da transformação.
Como havia uma floresta bastante densa a poucos metros do quintal dos fundos, não precisava mais passar da forma humana para lobo vestido. Isso poupava seu guarda-roupa da necessidade de reparos constantes.
— Ah, meu sacrifício de toda lua cheia… — reclamou Catarina. — Vou começar a esperar dentro de casa até que você esteja com o corpo todo coberto de pelos e a aparência de um lobo gigante.
— Eu sei que você gosta de apreciar esse corpinho atlético. — João fez uma pose com os braços como se fosse um fisiculturista sendo julgado.
— Pelo amor da nossa amizade, vai pra luz, por favor! — A bruxa havia fechado os olhos durante o exibicionismo do amigo, mas não conseguia segurar o riso.
Primeiras Lembranças
O começo de um sonho
Annabelle jogou a cabeça para trás e mexeu o pescoço de um lado para o outro assim que terminou de recolher a louça suja deixada na mesa pelas duas clientes que haviam acabado de sair do Art's Café.
— Cansada? — perguntou Felipe que trabalhava como caixa no café de seu pai, Arthur.
— Com calor… — respondeu a funcionária que usava um avental bege de sarja lisa com detalhes estampados nas cores vermelho e verde na barra, perto do pescoço, em volta de um único bolso e da fita para amarrar na cintura. Sobre esse bolso, ainda havia um Papai Noel bordado em patch aplique e ponto caseado. Ela tirou a bandana, da mesma estampa dos detalhes coloridos, já um pouco úmida na região das orelhas.
— Vou diminuir mais um pouco a temperatura do ar-condicionado — avisou o homem pegando o controle remoto branco. Como não estava atendendo as mesas naquele dia, ele usava suas roupas comuns, jeans e camiseta azul de mangas curtas com estampa remetendo a um filme de fantasia.
A mulher sorriu para o amigo em agradecimento.
O sinal que faltava
Muita coisa aconteceu nas vidas de Gregory e Stella desde que se conheceram no Brasil durante a primeira investigação internacional dos dois. Ambos não haviam completado 30 anos quando um assassino em série uniu as polícias de Las Vegas e Juiz de Fora para acabar com a trilha de sangue deixada pelo homem que atraía crianças para a morte. Caso resolvido, Greg, sua parceira, Sara, e o chefe dos dois, Jason, voltaram para os Estados Unidos deixando um convite para Stella se juntar a eles.
Meses mais tarde, era ela quem viajava para uma experiência trabalhando fora do país. Foi quase um ano e vários casos resolvidos até que a turbulenta noite da cidade estadunidense que nunca dorme a fez sentir saudade da relativa paz que tinha em sua cidade natal no interior de Minas Gerais. Com a promessa que voltaria para visitar os amigos que fez na equipe de peritos e investigadores de Las Vegas, Stella retornou ao Brasil.
Além do casual
Não era a primeira vez dela em Londres, porém, muita coisa havia mudado desde então. A Terra da Rainha agora tinha um rei, seu filho, que assumira o trono após a morte da mãe, e ela própria tinha uma herdeira. Era a primeira viagem internacional da bebê e o primeiro lugar que a mulher quis que a filha conhecesse. A cidade onde ela havia se apaixonado e sido correspondida pela primeira vez, evento o qual a motivou a acreditar que tinha o direito de ser feliz, sem o qual talvez nunca tivesse gerado uma criança.
As duas estavam na varanda do hotel terminando o café da manhã, quando, em uma conferida nas redes sociais de seu ator favorito, ela descobriu que o homem estava gravando na cidade aquela manhã. Buscando informações sobre o filme, a mulher se deparou com um convite irresistível. A equipe de filmagem estava procurando uma criança menor de 1 ano para gravar com o ator na cena final do filme.
A pequena loja de substantivos abstratos
O sininho em cima da porta da loja soou avisando ao velho homem atrás do balcão de madeira sobre a entrada da cliente. A jovem de cabelos pretos sorriu para o idoso que já conhecia de outras visitas e se apressou em dizer o que havia vindo buscar. Edgar sorriu enquanto Lara retirava a lista do bolso da calça jeans.
— Preciso de 5 meias verdades, 1 mentira e 3 alegrias, por favor.
— Pedido grande dessa vez… — comentou ele pegando pequenos potes de vidro vazios embaixo do balcão antes de se virar de frente para os maiores nos nichos da estante que cobria toda a parede atrás dele. — Algum motivo especial? Se me permite perguntar…
— Reunião de família — respondeu Lara sem se constranger enquanto seus olhos vagavam pela loja. Todo mundo levava aquele tipo de coisa para encontros como aquele. — O que tem naquele pote na vitrine, Edgar?
Amizade pra vida toda
Profecia na garrafa
Zephyrus já estava ficando cansada com tantas fichas de cadastro que o namorado, John, preenchia. Ele queria a todo custo encontrar uma maneira de custear o curso de medicina na Kings College London sem depender dos pais. A jovem chegou a oferecer ajuda financeira e até comentou que ele poderia devolver o dinheiro quando estivesse formado e empregado como médico se quisesse, mas John estava atrás de sua total independência. Um empréstimo não era o que tinha em mente, mesmo sabendo que as posses da família da namorada eram suficientes para pagar todas as taxas obrigatórias e os extras que desejasse.
— Você tá chateada? — perguntou ele sem tirar os olhos do papel que preenchia.
— Por que estaria? — Ela olhava para as folhas sobre a mesa completamente entediada.
— Por eu não aceitar sua oferta. — John finalmente a encarou.
Procura-se: Felicidade
O verão estava quase no fim, mas os dias quentes ainda não haviam dado trégua e isso deixava Beatrice sempre com um péssimo humor. Ela detestava a sensação de estar sempre com sede ou as várias idas ao banheiro, quando decidia beber um pouco mais de água. Entretanto, apesar da tarde sufocante mesmo com o ar condicionado da Buscando Inspiração trabalhando sem descanso, a mulher parecia feliz pelo que deduziu Miguel, seu amigo e colega de trabalho, ao se aproximar da mesa dela.
— Animada hoje! — disse o homem olhando o título da música que ela ouvia pelos fones de ouvido sem fio na playlist do celular dela.
— Não, — respondeu a mulher com sinceridade. — Assim que abri os olhos lamentei o fato de estar viva e passei alguns minutos desejando não ter nascido.
— Jamais conseguiria imaginar isso com essa seleção de músicas — continuou o amigo sem se espantar, pois além de não ser a primeira vez que ele a ouvia falar daquele jeito, sabia que Beatrice finalmente havia decidido procurar ajuda profissional e estava fazendo terapia.
O Paraíso de Francisca
“Lar é onde o bumbum descansa”, já dizia Pumba do filme “O Rei Leão”. Porém como descansar o corpo se a alma não acompanha? Francisca viveu por muitos anos aquele dilema. Amava infinitamente as pessoas à sua volta, mas não conseguia ter a certeza que recebia o mesmo sentimento em troca.
— Como alguém que ama não percebe a tristeza no coração da pessoa amada? — Se perguntava às vezes.
No entanto, quando recebeu um imenso apoio da família para ir atrás de seu sonho, ela percebeu que o sentimento era real. Ficaram felizes com a felicidade dela, e para Francisca, aquilo não podia ser outra coisa senão amor.
A Revolução das Máquinas
As duas amigas encontraram um lugar na arquibancada da arena e se acomodaram uma ao lado da outra. Na parte central da construção oval, em uma área coberta por areia, dois androides lutavam até a morte, ou como diziam as regras do combate, até um deles não ser mais capaz se sustentar as próprias estruturas.
— Isso é bárbaro demais, precisa acabar! — declarou Elisa passando os objetos que tirava da bolsa para a amiga ao seu lado.
— Mas eles aceitaram lutar, — retrucou Astoria.
— Não exatamente, né? Foram programados para isso. Não acho que escolheriam essa vida por livre e espontânea vontade tendo a habilidade de sentir dor.
Confidências
Cada um tem sua preferência quando o assunto é aproveitar o final de semana. Uns gostam de sair, outros de ficar em casa, mas é quase uma unanimidade a opção de ficar bem longe do trabalho. No entanto, Beatrice e Miguel fazem parte de uma minoria. Fotógrafos da agência Buscando Inspiração, os dois aproveitavam o tempo livre para mais fotografias. O diferencial estava no fato de poderem escolher onde e quais imagens capturar, e o que o casal mais amava era colecionar registros de construções em ruínas.
— Como você conseguiu autorização para entrar e fotografar a escola? — perguntou Beatrice acomodada no banco do carona do carro.
— Usei meu charme — respondeu Miguel piscando o olho direito para a amiga.
— Você pagou, né? — retrucou a mulher enquanto apertava os botões no painel do rádio do carro em busca de uma música que agradasse aos dois.
A historia de Beija-flor e Albatroz
A primeira coisa que deixou de existir foram seus nomes...
Aquele homem grande todo encolhido sobre a cama fez o coração da mulher bater fora do ritmo normal. Ela também se sentia desorientada por ter acordado sem saber quem era e onde estava, mas tentava manter a calma.
Uma enfermeira havia explicado com muita paciência que esse era exatamente o resultado esperado depois de um mês de tratamento. Eles esqueceriam sua identidade, mas não coisas como andar, falar e o básico aprendido na escola, pois isso seria inconveniente para o objetivo final.
Incomodada por ninguém aparecer para confortar o homem, ela decidiu fazer isso. Sentiu frio quando seus pés descalços tocaram o chão, mas não recuou da decisão. Andando devagar e levando consigo o que parecia ser soro preso em uma haste conectado ao seu braço, ela atravessou o quarto.
A magia que nos une
Todas as crianças do reino podem ter seus futuros cônjuges escolhidos pelos pais, mas há uma condição para que o jovem casal permaneça junto, mesmo que esse mostre afeição um pelo outro. Todos precisam passar pelo teste de serem enviados a um universo paralelo, sem magia, onde precisam se encontrar e se apaixonar um pelo outro. O primeiro beijo de amor do casal é o que os traz de volta para casa e concede a permissão para o casamento, apagando imediatamente qualquer indício da presença dos dois nesse local ao qual não pertencem.
Quando quatro amigos tiveram filhos, não hesitaram em sugerir que os bebês Abelis e Atrone um dia formassem um casal. A certeza era tanta de que as crianças passariam no teste que foram batizados de forma que seus nomes combinassem nos convites de casamento. Quando o jovem casal de amigos atingiu a maioridade, realmente já estavam enamorados, mas tiveram que se submeter às regras do reino como todos os outros.
Sua voz
Agora, que tal um romance com direito a primeiro beijo e um pouco de drama?
Conteúdo sensível: relato de agressão - sem descrição, apenas a menção ao fato.
Foram muitas mensagens trocadas via SMS, tecnologia que se popularizava em celulares no início dos anos 2000 e a preferida de Zephy. As conversas começaram tímidas e curtas, mas logo foram se estendendo à medida que crescia a intimidade entre ela e John.
Descobriram muitos gostos parecidos e deram boas risadas madrugada adentro, o único horário que o rapaz tinha disponível por conta dos estudos. A jovem não se importava, nunca teve o costume de dormir muito cedo. No entanto, o momento de conversarem pessoalmente pela segunda vez estava cada vez mais próximo e ambos conseguiam sentir.
“Estou com saudade de ouvir sua voz” digitou John.
Zephy começou a escrever sua resposta, mas apagou várias vezes. Não queria ferir os sentimentos dele, mas ela realmente não gostava de ouvir uma pessoa sem ver seu rosto, e por isso evitava telefonemas. O jovem percebeu pela demora o que estava acontecendo e enviou mais uma mensagem.
“Pode ser pessoalmente”.
“Quando?”
A proposta não demorou nem 10 segundos para aparecer na tela do celular de John e um sorriso iluminou o rosto dele enquanto digitava os dias e horários que tinha disponíveis.
Zephy também estudava, mas sem pensar muito sobre o que faria no futuro, pois o dinheiro da família garantia a ela a possibilidade de escolher ao que se dedicar. Literatura era sua paixão, mas ela não fazia distinção de gênero quando mergulhava nos livros. Era uma acumuladora de informações. Os três irmãos eram. Já John tinha o sonho de ser médico e com o trabalho além de ajudar os outros, fazer o mesmo por ele, garantindo a tão sonhada liberdade.
Autocontrole
A busca levou 1 ano e a todos os envolvidos estavam radiantes porem ter conseguido. O serial killer que tirou o sono dos investigadores finalmente estava em poder deles e, contrariando as estatísticas, era uma mulher. Seus traços teriam encantado pelo menos a metade dos oficias de segurança pública, não fosse a crueldade de seus atos e a firmeza em seu olhar.
Mais de cinquenta homens uniformizados enfileirados no corredor a encaravam, todos de arma em punho e expressão séria no rosto. No entanto, a jovem mulher não demonstrava o menor sinal de estar incomodada ou sequer com medo daquilo.
— Você está muito tranquila para quem provavelmente vai encarar o corredor da morte daqui a alguns meses — comentou o oficial.
— Sabe qual a característica mais conveniente para um serial killer? — perguntou ela.
— Frieza, falta de amor ao próximo...
— Autocontrole.
O oficial olhou para mulher com algemas nos pulsos e nos tornozelos com uma fina corrente unindo os membros e limitando seus movimentos e, por mais estranho que pudesse parecer, sentiu medo. Uma sensação desconfortável que aumentou quando ela sorriu.
O Bilhete
Dessa vez não trouxe apenas uma cena, mas sim um conto curto com início, meio e fim. Uma das personagens inclusive já apareceu aqui no blog. Estão prontos para a pequena aventura em numa casa abandonada?
***
A ‘Buscando Inspiração’ nasceu no final dos anos 1990 da ideia de uma fotógrafa entusiasta que decidiu fundar a empresa dando chance àqueles que ela tanto apreciava e a inspiravam. A CEO além de apreciar muito o ofício da fotografia também era escritora. Seu objetivo principal era reunir vários profissionais na agência e proporcionar o contado deles com os clientes, mas garantindo por conta da empresa o salário fixo e comissão por projeto. Os trabalhos incluíam toda sorte de fotografias, desde projetos para sites, folhetos, convites para eventos e os próprios eventos, colunas de jornais ou revistas e trabalhos para organizações, governamentais ou não.
Por conta dessa variedade, Beatrice e Manuela, duas fotógrafas da Buscando Inspiração, não estranharam quando receberam na manhã de sexta-feira a missão de fazer o registro de imagens do interior da casa há muito tempo abandonada em uma das principais avenidas na cidade sede da agência no interior de Minas Gerais.
— Pelo menos a gente não vai precisar viajar hoje — disse Manuela agradecida já visualizando o final do seu dia tomando cerveja num bar com os amigos.
Chá para dois
É um desejo antigo meu desenvolver a habilidade para escrever histórias curtas. Raramente algo que eu escrevo termina em um só capítulo. Quando comecei com fanfics da série Sherlock, minha primeira oneshot foi publicada com 2 capítulos! (Quem quiser ler: O melhor pior dia de Molly Hooper). No entanto não desisti e consegui uma oneshot de verdade algum tempo depois! (Leia aqui: Tudo sobre Mary). Inspirada por essa conquista e com a ajuda de um site gerador de enredo aleatório (não quis correr o risco de tentar eu mesma criar a história e acabar com uma série de livros... hahaha...), nasceu esse pequeno conto de um momento da vida de dois personagens. Não estou planejando continuação. Sei que a vontade de saber mais sobre o que aconteceu acaba aparecendo, mas por enquanto a narrativa sobre Catarina e João começa e termina nessa postagem.
Catarina olhou para o livro mágico em suas mãos e ficou preocupada. Não poderia deixar ninguém ler suas páginas. Não que alguém fosse capaz de acreditar nas informações contidas nele, mas era melhor não correr o risco.
A bruxa caminhou até a janela admirando as gotículas de chuva no vidro. Catarina gostava do ambiente rústico e aconchegante daquela rua pavimentada em pedra, mas a loja de reparo de guarda-chuvas e eletrodomésticos em frente à sua casa, quebrava parte do encanto.
Ela sorriu para o idoso parado à entrada quando este olhou para ela. Um sujeito simpático e o único motivo pelo qual ela não odiava por completo aquela fachada repleta de quinquilharias. Era um lugar que encorajava sua tendência de se sentir nostálgica, mas ela prometeu que nunca mais poria os pés na sua antiga vila e pretendia cumprir a promessa.
Então ela viu algo ao longe, ou melhor, alguém. João era um lobisomem inteligente, de braços peludos e dedos finos, companheiro da bruxa desde quando tentaram queimá-la viva. Igualmente menosprezando pelos outros habitantes, João se tornara amigo de Catarina no momento em que a bruxa se ofereceu para preparar uma poção do sono evitando que seu lado lobo o dominasse na lua cheia.
O que motivava todo aquele ódio e unia os dois era a falta de vontade de ambos para atacar seres humanos. Catarina e João não queriam negar ou abandonar suas habilidades mágicas, mas tampouco queriam usar aquilo para dominar os não mágicos. Tudo o que queriam era uma vida anônima e tranquila.