Todas as crianças do reino podem ter seus futuros cônjuges escolhidos pelos pais, mas há uma condição para que o jovem casal permaneça junto, mesmo que esse mostre afeição um pelo outro. Todos precisam passar pelo teste de serem enviados a um universo paralelo, sem magia, onde precisam se encontrar e se apaixonar um pelo outro. O primeiro beijo de amor do casal é o que os traz de volta para casa e concede a permissão para o casamento, apagando imediatamente qualquer indício da presença dos dois nesse local ao qual não pertencem.
Quando quatro amigos tiveram filhos, não hesitaram em sugerir que os bebês Abelis e Atrone um dia formassem um casal. A certeza era tanta de que as crianças passariam no teste que foram batizados de forma que seus nomes combinassem nos convites de casamento. Quando o jovem casal de amigos atingiu a maioridade, realmente já estavam enamorados, mas tiveram que se submeter às regras do reino como todos os outros.
Certos de que conseguiriam se apaixonar um pelo outro em qualquer universo, Atrone e Abelis encararam com alegria o desafio e em pouco tempo realmente estavam de volta para recuperar suas memórias extraídas deles e guardadas na forma líquida em um cofre na sala do desafio. Além do cofre, uma magia protegia as lembranças e se outra pessoa a ingerisse iria expelir imediatamente. O problema nesse caso é o proprietário da memória teria que beber o vômito de alguém (nojento).
A história se passa na Terra, em um país chamado Brasil...
(...)
— Uma maldição, só pode ser! — pensei enquanto lia uma fanfic no computador durante seu intervalo de almoço.
— Trabalhando durante o intervalo, Isabel? Que funcionária exemplar! — disse Renato atrás de mim olhando para o monitor.
Nós trabalhávamos juntos em uma startup de criação de produtos digitais como sites, aplicativos e mídia kits.
— Não, — meu coração disparou ao ouvir a voz dele, mas tentei me controlar. — Estou lendo uma fanfic, — respondi.
— Humm... — resmungou ele sem interesse e se afastou.
Mais uma característica para a lista de defeitos que eu estava fazendo na tentativa de tirá-lo dos meus pensamentos. Se fosse para ter um namorado, queria um que pelo menos compartilhasse comigo o gosto pelas minhas coisas preferidas e ler era uma delas. Caso contrário, preferia continuar solteira.
— Ah, Lord Renato. — Sorri com o apelido que eu havia inventado para ele enquanto me espreguiçava. — Como fui me apaixonar por você? Achei que tinha perdido essa capacidade.
Pensei em todas as vezes que meu coração acelerou por alguém e foi dolorosamente ferido. Não considerava culpa dos pretendentes, afinal, ninguém é obrigado. Mas queria ter tido um pouquinho mais de sorte no amor. Desde o primeiro “não” aos 9 anos, mais alguns outros incluindo um: “você é uma ótima amiga” aos 12, o pequeno trabalho de cupido depois daquele: “eu também acho ele lindo, você me ajuda a conquistar ele?” vindo de uma amiga aos 16 e muitos outros incontáveis “não”, me fizeram desistir de tentar. Estava cansada de chorar escondida lamentando o fato de que morreria sem saber que gosto tinha um beijo.
Quando comecei no trabalho e senti meu coração disparando quando ouvia a voz do meu supervisor, precisei agir e destruir aquela ideia antes que me dominasse. Renato havia despertado o mesmo interesse em várias pessoas na empresa e eu sabia que não seria a escolhida, nunca era. Minha tática era listar todos os defeitos que percebesse nele para fazer minha razão superar a emoção e perceber que um relacionamento com ele não me faria feliz. Eu estava no meio daquele processo. “Não se interessa por fanfics” entrou na lista logo após “muito sonso, me irrita”, “atrai muitos olhares, gatilho para minha ansiedade”, “adora baladas no final de semana, prefiro ficar em casa”, entre outros pequenos detalhes que me faziam gostar cada vez menos dele. Infelizmente, não o suficiente para conter meu coração.
— Nem na hora do almoço ela sai do computador — pensei. — Assim a gente nunca vai ter a chance de conversar, Isabel.
Me aproximei da cadeira onde ela estava sentada à frente do monitor e tentei descobrir o que ela estava fazendo. Não estava trabalhando, mas sim lendo uma fanfic. Fiquei com vontade de dizer a ela que eu mesmo já escrevi algumas, mas isso foi há muito tempo. Eu mudei. E agora não sei se foi realmente a melhor coisa que eu poderia ter feito. Mas era tarde para voltar atrás.
(...)
Eu já tinha perdido as esperanças de que aquilo fosse acontecer um dia. Ainda mais com ele. A empresa organizou uma festa de confraternização quando assinou um contrato importante e todos os funcionários foram convidados a participar. Confesso que quase arranjei uma desculpa para não ir, mas eu era recém-chegada e estava com receio de causar uma má impressão para meus chefes. Ficaria por alguns minutos, marcaria presença e assim que pudesse iria embora. Plano perfeito, mas não foi o que aconteceu.
Começamos como um grande grupo sentado no sofá perto da mesa de comida e bebidas, um lugar muito agradável que rendeu algumas fotos maravilhosas. Amo fotografar comida, e comer, é claro. Aos poucos as pessoas foram se espalhando pela sala até ficarmos apenas nós dois. Não tínhamos muito em comum, pelo que pude perceber até ali, mas Renato sabia manter uma conversa e demorou um tanto até ficarmos em silêncio.
Nesse momento pensei em dar uma desculpa para sair dali e ir embora para casa, exausta de tanta interação, mas demorei demais. Ele sorriu para mim e eu retribuí o gesto. Renato levantou, pegou um doce na mesa e quando sentou de novo se acomodou o mais próximo que podia. Geralmente isso me incomodava, mas para minha surpresa, meu corpo o queria ali e eu continuei sorrindo. De repente notei que ele começou a inclinar o corpo na minha direção e sem que eu saiba explicar como, a mão esquerda dele brincava com uma mecha do meu cabelo.
O que aconteceu em seguida quase fez meu coração parar. Renato se aproximou mais e tocou meus lábios delicadamente com os dele. Eu fiquei com vontade de pedir ajuda. Não sabia o que fazer. Tentei relaxar e torcer para não fazer nada errado. Nada que o fizesse achar que não era recíproco o que ele tentava expressar com aquele beijo. Meu primeiro beijo.
(...)
Eu não conseguia parar de pensar nela e aquilo estava me enlouquecendo. Me apaixonar por uma mulher que abraçava tudo o que por anos eu tentei esconder, me livrar, na verdade. Ser classificado como nerd havia me condenado por muitos anos a uma dolorosa solidão, então mudei para tentar ser feliz. Para me enturmar com pessoas da minha idade. E funcionou, ou pelo menos parecia que sim. Até encontrar Isabel sendo feliz fazendo tudo o que eu sempre amei, mas abandonei.
Fui eu quem sugeriu ao chefe aquela confraternização para comemorar o contrato recém assinado e os novos membros da equipe. Ajudei a organizar a decoração, mais uma paixão secreta que eu tinha e contratar o buffet, que agora ela fotografava. Sorri encantado com a empolgação dela andando em volta da mesa de comida com o celular na mão e me senti satisfeito por ter sido capaz de proporcionar aquele entretenimento a ela.
Começamos como um grande grupo sentado no sofá perto da mesa de comida e bebidas. Aos poucos as pessoas foram se espalhando pela sala até ficarmos apenas nós dois. Aproveitei meu primeiro momento sozinho com ela fora do horário de expediente para conhecê-la melhor. Perguntei tudo em que consegui pensar e ela respondeu sem hesitar. Acho que se tivéssemos nos conhecido quando eu ainda abraçava aquele mundo de fantasia dos filmes, livros e séries, teríamos sem dúvida nos tornado amigos, ou quem sabe tido outro tipo de relacionamento. Um do tipo que eu estava interessado naquele momento. Quando a conversa parou e ficamos em silêncio, decidi agir.
Eu sorri para Isabel e ela retribuiu o gesto. Levantei e peguei um doce da mesa para tentar abrandar o efeito do nervosismo que tinha me deixado com a boca seca e voltei para perto dela. Mais perto dessa vez. Eu estava tão hipnotizado pelo movimento dos cabelos dela, emoldurando seu rosto e caindo pelos ombros que não resisti a pegar uma mecha e brincar com ela entre meus dedos. Para meu deleite, ela continuava sorrindo me motivando a continuar com o que eu pretendia fazer.
Inclinei meu corpo na direção dela e felizmente ela não recuou. Aceitei como um sinal para continuar e toquei os lábios dela com os meus. No começo foi estranho, não é como se ela não quisesse, mas tinha algo naquele beijo. Algo que eu nunca havia sentido antes. Notei a inexperiência dela, mas não era isso. Meu coração estava batendo em um ritmo diferente e acho que o dela também. Como se estivesse predestinado àquele beijo.
(...)
Isabel e Renato abriram os olhos e se sentiram totalmente confusos ao não identificar onde estavam. Um grande salão muito bonito, com mármore em tons de marrom no chão, nas paredes e nas pilastras que sustentavam o teto de vidro, ou cristal, eles não saberiam dizer, e finas linhas douradas desenhando quadrados no chão e arabescos pelas paredes.
— Tinha que acontecer algo errado! — reclamou Isabel. — Eu não posso ter uma vida normal, conhecer um cara, beijar... comigo tem que ser do jeito difícil.
— Fica calma, — pediu Renato a envolvendo com seus braços. — Vamos dar um jeito de voltar.
— Ah é, e como?
— Bom, a Alice usou uma toca de coelho, um espelho... — Sem medo de revelar aos antigos gostos, ele começou a dar as sugestões que conheceu nas histórias. — Nárnia tem os anéis, o guarda-roupa, o quadro...
— Isso são só histórias. — Isabel olhou para o homem na frente dela.
— Pensei que acreditasse nelas — retrucou ele.
A mulher se afastou alguns passos sentindo uma dor no peito como se o coração tivesse sido atingido por uma adaga.
— Não é porque eu sou nerd que não sei separar fantasia de realidade.
Renato percebeu o erro que havia cometido. O mesmo que cometeram com ele anos atrás e o fizera chorar por alguns dias e tomar a decisão de abandonar tudo aquilo.
— Desculpa, — pediu ele. — Não foi o que eu quis dizer. É que depois de alguns anos lendo livros do gênero, faz a gente começar a pensar se essas pessoas não estavam tentando nos contar um grande segredo confiado a elas. Uma verdade irrefutável em que poucos acreditam. E te zombam por acreditar.
Isabel não disse nada por um tempo. Nunca havia imaginado Renato como fã de literatura fantástica. Muito menos que tivesse sofrido por conta daquilo, tanto quanto ela. Punido sem fazer nada errado.
— Faz tempo que eu não revelo isso, mas eu sabia que você não iria me zombar se soubesse — declarou ele. — E ainda mais na situação em que estamos, aparentemente estávamos certos mesmo.
O homem sorriu enquanto olhava o salão em volta deles.
— Aparentemente sim — concordou Isabel fazendo o mesmo. — E você deixou de lado as coisas que gosta para agradar os outros?
— Era isso ou ficar sozinho — Renato se aproximou e segurou as duas mãos da mulher. — Mas aí eu conheci você — afirmou ele sorrindo.
Isabel mordeu o lábio inferior ainda sem conseguir acreditar em tudo o que estava acontecendo. Ela imaginou que provavelmente havia desmaiado quando o supervisor chegou perto dela e aquilo tudo deveria ser um sonho.
— Finalmente vocês apareceram! — anunciou uma figura saindo de trás de uma das pilastras e andando na direção deles. — Já estávamos pensando em ir atrás de vocês.
O homem franzino de cabelos brancos, estatura baixa que usava uma capa nas costas cobrindo todo o seu corpo, se aproximou com dois frascos na mão.
— Lord Atrone, Lady Abelis, suas memórias — ele esticou os braços na direção dos dois.
Renato e Isabel trocaram um olhar suspeito sem saber o que fazer. Ambos pegaram o que lhes era oferecido, e o homem tentou impedir a mulher de beber o conteúdo do frasco antes dele, mas ela não aceitou e o ingeriu ao mesmo tempo. Aquilo respondeu todas as perguntas não apenas dos últimos minutos, como de toda a vida que se lembravam até então.
— Mais uma para a conta! — comemorou Atrone.
— Nada nunca vai conseguir afastar nós dois! — declarou Abelis antes de jogar os braços em volta do pescoço do marido e beijá-lo com paixão.
Desde o desafio que os permitiu casar, a dupla gostava de testar se o amor deles continuava forte e inabalável.
— Eh, mas vocês dois precisam tomar cuidado. Ficaram quase 3 meses fora dessa vez! — disse o pequeno ancião consciente de que o tempo que os dois haviam passado no universo paralelo havia sido infinitamente maior.
— Não se preocupa, Nary — disse Atrone caminhando com o braço sobre o ombro da esposa para fora do salão e sendo acompanhado pelo amigo. — A gente sempre se encontra.
O casal trocou um beijo rápido.
— A magia que une a gente é a mais forte que existe — a mulher passou os braços em volta da cintura do marido. — O amor.
Uauuu, que lindo!
ResponderExcluirAmei a magia misturado com realidade.. e fechou com chave de ouro: - A magia que une a gente é a mais forte que existe: O Amor!
arrasouu 😍😍
Beijinhos
Tati
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Oi!
ExcluirFico feliz que tenha gostado!
Obrigada!
Beijos;