Espero que vocês não tenham acreditado quando eu disse aqui que a história de Catarina e João começaria e terminaria em uma única postagem... bem... lá vamos nós de novo. Espero que vocês gostem dessa conversa entre a dupla.
A tarde estava amena, com o sol de outono aquecendo o corpo numa intensidade agradável, e o chá servido na mesinha redonda branca de ferro sobre o gramado no quintal dos fundos, de frente para a floresta, deixava tudo ainda mais perfeito.
Catarina e João estavam um de cada lado dela, reclinados sobre as espreguiçadeiras de madeira cobertas com almofadas envoltas num tecido de estampa floral de algodão, costuradas pelo próprio lobisomem. A bruxa havia se oferecido para fazer o serviço usando magia, mas ele gostava de trabalhos manuais.
— Você acredita em almas gêmeas? — perguntou João repousando a xícara do jogo de porcelana que ele havia comprado para ela sobre o pires antes de pegar um dos sanduíches de atum com cenoura.
Bebida e comida preparadas por ela usando magia tanto para acelerar o processo quanto para divertir o amigo.
O tempo que os dois viviam juntos permitia esse tipo de diálogo sem qualquer desconforto, mas a espontaneidade da pergunta inesperada fez Catarina sorrir. A mulher sentou e cruzou as pernas em posição de lótus com os pés ocultos embaixo dos joelhos e ficou olhando para o líquido vermelho dentro da xícara enquanto pensava no que responder.
— Depende do que você considera alma gêmea — disse ela por fim, olhando para o amigo à sua direita.
— Sempre atento aos detalhes — a bruxa sorriu. — Você acredita em alma?
— Eu acho que é de onde vem sua magia, então sim — disse ele.
— Então você deveria ter magia também. Todas as pessoas, na verdade.
— Talvez estejamos em estágios diferentes de desenvolvimento.
— João, você andou mexendo na minha biblioteca de novo? — perguntou Catarina rindo.
A mulher não estava zangada, pois o amigo não era proibido de ler os livros dela. Os poucos que havia conseguido resgatar de sua antiga casa. A bruxa apenas sabia que alguns deles estavam além da compreensão de João.
— Não foram os livros, — ele sorriu e pela primeira vez em muito tempo ela notou que a pele branca das bochechas do amigo estava levemente avermelhada.
Ela colocou a xícara que segurava sobre a mesinha e se virou de frente para João esperando pacientemente por uma continuação.
— É que... Quer dizer, você não acha... — As pausas entre as frases deixavam claro sua hesitação.
— Que a gente se dá bem demais e precisa ter uma explicação lógica para isso?
João sorriu para a amiga. Não havia por que razão se sentir tão envergonhado quando ela era capaz de antecipar o que ele estava pensando. E o lobisomem sabia que aquela não era uma das habilidades da bruxa. Uma borboleta de asas azuis passou voando lentamente sobre os dois captando toda a atenção com o batimento suave de suas asas.
— Não acho que precise de uma explicação lógica — declarou Catarina retomando a conversa. — Na verdade, não acho que precise de qualquer tipo de explicação. A gente abraça o sentimento e pronto.
— É algo difícil de assimilar quando te perseguem e tentam te matar por conta de algo que você não tem controle — desabafou o lobisomem.
— Às vezes parece que você esquece que me resgatou de uma fogueira — comentou a mulher com uma risadinha.
— Acho que é por isso que a gente se uniu — afirmou ele sentando na espreguiçadeira de frente para a amiga em uma posição espelhada à dela.
Os últimos raios de sol do final da tarde deixavam os cabelos da bruxa, no momento da cor lilás, com um brilho intenso e na tonalidade das flores de lavanda. Raramente Catarina os deixava na coloração original, a não ser que precisasse andar entre os não bruxos sem chamar atenção.
— Não, — disse ela de forma incontestável, porém serena. — Você me salvou e eu comecei a preparar a poção do sono para você. Estamos quites. Não tem lógica que explique nosso relacionamento, e não acredito que deveria existir. Quebraria todo o encanto, e disso eu entendo — ela sorriu piscando o olho direito.
— Queria ter nascido com essa confiança dentro de mim — lamentou João.
— A lógica e o distanciamento emocional mantiveram você vivo. Confiar em qualquer um é perigoso — expôs a mulher. — Mesmo depois de me salvar, você demorou um pouco para contar o motivo pelo qual sumia às vezes e voltava todo machucado. Apesar de que, depois de prestar atenção na frequência constante com a qual você desaparecia não foi muito difícil adivinhar.
— Eu quis ir embora e não voltar mais... — admitiu ele. — Mas não consegui ficar longe de você.
— E mesmo sem ter a certeza de que podia confiar, você voltou — afirmou a bruxa. — Existem coisas mais fortes que a lógica humana, que é o que nós somos no fim das contas.
A mulher pegou o último sanduíche no pratinho e mordeu com vontade.
— Não me arrependo — declarou João. — Por ter ficado.
— Serei eternamente grata por isso — disse ela sorrindo enquanto mastigava.
— Mas você não respondeu, — o homem retomou o início da conversa. — Acredita ou não em almas gêmeas?
— Almas que nascem predestinadas a se encontrar e ficar juntas? Não, — respondeu ela. — Almas que se encontram e nunca mais querem se separar? Sim.
— É, parece coerente para mim. Podemos compartilhar essa crença também.
— Você diz cada coisa — comentou ela rindo enquanto recolhia as xícaras e o prato vazio.
A noite que caía aos poucos trazia junto o frio característico do outono que, apesar de não ser tão intenso quanto o do inverno, desencorajava atividades fora de casa.
Que post bonito! :)
ResponderExcluirr: Muito obrigada querida
Muito obrigada! :D
ExcluirFico feliz que tenha gostado!