A pequena loja de substantivos abstratos

O sininho em cima da porta da loja soou avisando ao velho homem atrás do balcão de madeira sobre a entrada da cliente. A jovem de cabelos pretos sorriu para o idoso que já conhecia de outras visitas e se apressou em dizer o que havia vindo buscar. Edgar sorriu enquanto Lara retirava a lista do bolso da calça jeans.

— Preciso de 5 meias verdades, 1 mentira e 3 alegrias, por favor.

— Pedido grande dessa vez… — comentou ele pegando pequenos potes de vidro vazios embaixo do balcão antes de se virar de frente para os maiores nos nichos da estante que cobria toda a parede atrás dele. — Algum motivo especial? Se me permite perguntar…

— Reunião de família — respondeu Lara sem se constranger enquanto seus olhos vagavam pela loja. Todo mundo levava aquele tipo de coisa para encontros como aquele. — O que tem naquele pote na vitrine, Edgar?

O olhar do homem acompanhou o braço levantado da jovem indicando o item em destaque enquanto descia da escada onde precisou subir para pegar as alegrias no alto da estante.

— Verdades com amor — respondeu ele. — Produto novo, mas tem saído pouco.

— Mistura interessante. Por que não tem vendido?

— A maioria ainda prefere as meias verdades, as mentiras leves, ser completamente sincero tem seus riscos, mesmo que as intenções sejam boas.

— Mas vale à pena… — afirmou a jovem.

— No final das contas sim — concordou ele depois de um suspiro.

Lara refletiu sobre o que havia acabado de dizer enquanto Edgar preparava o resto de seu pedido. Os pequenos potes acomodados em uma caixa de papelão com nichos para não quebrarem ou se misturarem.

— Mais alguma coisa?

O décimo nicho vazio inspirou a jovem.

— Me vê também uma verdade com amor.

— Tem certeza?

— Absoluta.

O idoso atendeu ao pedido e ainda pegou um brinde, um frasco um pouco menor do que os potes, para incluir no pacote.

— O que é isso?

— Serenidade, vai te dar um pouco de paz de espírito, caso precise depois da verdade. Se quiser mais, tenho embalagens maiores.

— E esse quanto é?

— Por conta da loja!

— Obrigada — agradeceu a jovem com um sorriso antes de pagar pelos produtos, se despedir e sair da loja para o fim de tarde ensolarada. A sexta-feira parecia a promessa de um sábado tão agradável quanto possível.

Edgar acompanhou pela vitrine Lara se afastando contente e ao mesmo tempo ansiosa com a compra debaixo do braço. Já o idoso estava curioso e apreensivo pelo resultado que seria gerado com a verdade que a cliente levou. Diferente das mentiras, as verdades são mais poderosas, pois uma vez ditas não podem ser mudadas ou desmentidas, porque não são falsidade. São fatos.

Essa história não teve planejamento, talvez por isso seja assim tão curta. Apenas sentei na frente de um documento em branco e deixei meus dedos falarem.

Gostaram? Querem mais textos assim? E sim, o título foi inspirado no meu livro favorito desse ano (talvez da vida), A pequena loja de venenos. Se vocês ainda não o conhecem, venham ler a resenha no: Mente Hipercriativa.

6 comentários:

  1. Eu amei essa história. Faz com que consigamos refletir um pouco sobre sentimentos, família, paciência e como lidamos com determinadas situações. Um texto pequeno e ao mesmo tempo profundo.
    Amei!!!
    Escreva mais assim ♡
    Beijos.


    http://www.parafraseandocomvanessa.com.br/

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    1. Fico feliz que tenha gostado! Foi uma ideia que me surgiu de repente e eu resolvi passar para o papel.
      Pretendo fazer isso sim!
      Beijos;

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  2. Achei o conto bem bacana. Parabéns. Foi um continho curto que traz boas lições. Muitas vezes evitamos a verdade, pois essa pode ser dolorosa. E a verdade que vem de nós, como identificar? Abraço!

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    1. Que bom que gostou! Obrigada! Sim, eu adoro a verdade, mas sei que ela às vezes machuca, então precisamos ter o maior cuidado com ela. Abraço!

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  3. Oiê, Helaina!
    Uma das qualidades que mais admiro em autores/escritores é a de escrever, em poucas palavras, algo que trás uma carga de reflexão imensa ao leitor. Um texto inteiro, as vezes um diálogo, as vezes uma passagem específica, seja como for, aquilo que parece singelo, mas abre espaço para pensar diversas coisas profundas.
    Você mostra muito bem isso aqui, consegue falar de sentimentos relacionados a vida familiar, com o desvelo e simplicidade de quem vai as compras, ao mesmo passo mostrando como é complexo essa questão de sentimentos e emoções em grupo. Seu conto é meigo, encanta e faz refletir, amei ❤️
    Até mais,
    https://entulhandoideiasdiversas.blogspot.com/

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    1. Oi Anne, muito obrigada! Fico feliz que você tenha gostado! ❤️
      Volte sempre!

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