Autocontrole

A busca levou 1 ano e a todos os envolvidos estavam radiantes porem ter conseguido. O serial killer que tirou o sono dos investigadores finalmente estava em poder deles e, contrariando as estatísticas, era uma mulher. Seus traços teriam encantado pelo menos a metade dos oficias de segurança pública, não fosse a crueldade de seus atos e a firmeza em seu olhar.

Mais de cinquenta homens uniformizados enfileirados no corredor a encaravam, todos de arma em punho e expressão séria no rosto. No entanto, a jovem mulher não demonstrava o menor sinal de estar incomodada ou sequer com medo daquilo.

— Você está muito tranquila para quem provavelmente vai encarar o corredor da morte daqui a alguns meses — comentou o oficial.

— Sabe qual a característica mais conveniente para um serial killer? — perguntou ela.

— Frieza, falta de amor ao próximo...

— Autocontrole.

O oficial olhou para mulher com algemas nos pulsos e nos tornozelos com uma fina corrente unindo os membros e limitando seus movimentos e, por mais estranho que pudesse parecer, sentiu medo. Uma sensação desconfortável que aumentou quando ela sorriu.

O homem estava consciente que se a encontrasse durante as compras no mercado, poderia tranquilamente iniciar uma conversa e até oferecer uma carona para ela até em casa. Em silêncio ele agradeceu o fato de que a maioria dos assassinos em série que já tinha ouvido falar serem homens, pois o oficial estava certo de que seria uma presa fácil.

— Como vocês chegaram até mim? — perguntou ela com o tom de voz sem emoção, interrompendo os pensamentos dele.

— Denúncia anônima baseada no retrato falado feito por uma de suas vítimas — declarou ele puxando a mulher pela corrente. — É verdade que o cara morreu, mas não antes de conseguir denunciar você e agora você vai pagar por tudo que fez. — Ele riu com desprezo.

— E o que eu fiz exatamente?

— Matou várias pessoas — respondeu o oficial começando a perder a paciência com a indiferença dela.

— Não me lembro de ter feito isso — revelou a jovem mulher depois de um curto silêncio.

— Não vai conseguir enganar mais ninguém com essa conversa — finalmente a raiva ficava evidente na voz dele. O oficial sabia que apenas um retrato falado era pouco para garantir a condenação dela, mas prosseguiu insistindo em sua convicção. — Ainda mais depois de ter dito agora a pouco, em meio a todos esses policiais, qual a característica mais conveniente de um serial killer — ele desafiou.

— Fazer observações lógicas virou crime? — perguntou ela. — Prendam Sherlock Holmes então! Aprendi muito acompanhando os livros, filmes e séries sobre ele, inclusive.

Os dois pararam em frente em frente a uma cela com uma única cama de solteiro e uma privada sem assento e sem tampa. O oficial destrancou a grade e indicou para que a mulher entrasse.

Obediente, como sempre foi a vida inteira, ela entrou e ficou em pé perto da cama enquanto o homem a liberava das algemas e das correntes. Quando ele saiu e trancou a cela, a mulher sentou sobre o colchão fino da cama e sua mente começou a trabalhar.

Denúncia anônima baseada no retrato falado feito por uma das vítimas antes de morrer... — pensou ela usando a lógica para se tranquilizar. — Sua aparência era bem comum, sem nenhum traço marcante, aquela denúncia não sustentaria sozinha uma acusação tão grave. Os investigadores não encontrariam nada que pudesse incriminá-la, além dos livros que anatomia humana que lia. Por pura curiosidade. Talvez a faculdade da medicina realmente fosse uma boa opção para ela como alguns já haviam sugerido por conta de seu interesse. Mas como se dedicar a um curso tão complexo que requer tanto empenho, se em alguns dias tinha dificuldade para sair da própria cama?

Vários dias se passaram até que o mesmo oficial voltou para destrancar a cela e libertar a mulher.

— Seus pais estão te esperando lá fora — informou ele visivelmente contrariado por estar fazendo aquilo.

— Imagino que não encontraram nada que me ligue aos crimes.

O homem manteve a expressão mal-humorada e não respondeu. Ele tinha certeza que não estava errado e que estava colocando uma mulher extremamente perigosa de volta na sociedade, apesar da aparência dela não deixar claro o quanto era cruel.

— Espero que não tenham feito muita bagunça — comentou ela caminhando ao lado do homem que insistia em permanecer em silêncio. — Não se aflija, oficial. Há muitos criminosos para você prender por aí. Inclusive esse que tanto procura. — Ela sorriu.

Novamente um sorriso que fez o homem sentir um arrepio subir de sua cintura até o pescoço. Aquilo trazia ainda mais certeza para a sua suspeita. Não havia se enganado, mesmo que não tivessem encontrado nada para incriminá-la. Mas sem qualquer evidência que a ligasse aos crimes ou as vítimas, não poderiam tomar outra atitude além de deixá-la ir.

Entretanto, quando viu o sorriso no rosto dos pais da jovem mulher em frente à porta do prédio seu coração amoleceu. O casal havia recebido tão bem os policiais, permitindo que eles fizessem uma busca minuciosa na casa enquanto garantiam a inocência da filha, que ele começou a titubear em sua certeza.

Parecia ser uma família decente e honesta envolvida por acaso em uma situação que jamais havia imaginado, por conta de uma filha de hábitos excêntricos e um retrato falado. O oficial quase apertou a mão da jovem e pediu desculpas pelo engano, mas se conteve. Apenas a liberou para ir embora e avisou que precisaria comparecer caso fosse chamada.

A mulher agradeceu com um sorriso contido acompanhado de um aceno de cabeça e correu a pequena distância que a separava dos pais e da liberdade. Aliviada pelo fim do pesadelo, ela abraçou os dois antes de entrar no carro.

— Eles fizeram muita bagunça? — perguntou a jovem depois que a mãe deu partida e colocou o veículo em movimento.

— Você não vai gostar nadinha do que vai encontrar — disse o pai do banco do carona.

— Me perdoem por isso — pediu ela relaxando o corpo no banco de trás.

Sabia que seus pais não brigariam com ela, já que tudo havia terminado bem.

— De todos os erros que você poderia cometer, esse foi o menor — garantiu a mãe em um tom de voz doce.

— Vocês tem razão, eu preciso trabalhar esse meu autocontrole. Ele conseguiu correr e eu achei melhor não ir atrás dele para não ser vista. — Ela riu pensando na ironia de ter tido sua aparência revelada enquanto tentava evitar isso. — Um pouco de impulsividade e aquele cara não teria sobrevivido para fazer um retrato falado.

— Essa é a minha garota! — elogiou o pai com um sorriso no rosto.

Uma fina chuva molhava o asfalto acompanhando a família no seu caminho de volta ao lar.

Alguém imaginou essa reviravolta? Digam nos comentários!
Se vocês gostam desse estilo de história, vão gostar também de: Aparência.
Acesse para ler esse conto curto com um final inesperado!
Links: Universo Invisível || Wattpad.

6 comentários:

  1. Amei o texto, autocontrole pode ser interpretado de diferentes formas, mas é algo que todos precisamos treinar para ter sempre ou pelo menos na maior parte do tempo.
    Beijos.



    https://www.parafraseandocomvanessa.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Vanessa,
      Que bom que você gostou!
      Concordo contigo!

      Beijos;

      Excluir
  2. Uma família de serial killers ~ ou uma serial killer que tem o apoio e a benção da família. Taí uma reviravolta que eu não esperava. Adorei o conto! :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Confesso que no princípio pensei em uma serial killer que a família não percebia ser uma, mas no final acabei "chutando o balde" e até eu me surpreendi com a reviravolta!
      Fico feliz que você tenha gostado! :)

      Excluir
  3. Que interessante!!! :)

    https://www.heyimwiththeband.com.br/

    ResponderExcluir

Agradeço muito a sua visita! Deixe um comentário!

- Atenção: Ao comentar você concorda com as políticas de comentários do blog.
Saiba mais: Políticas de Comentários.

Todos os comentários são revisados antes da publicação.
Obs: Os comentários não publicados pela autora não refletem a opinião do blog.