Visão limitada

A ‘Buscando Inspiração’ ocupava um andar inteiro do prédio comercial onde estava instalada. A agência era formada por fotógrafos profissionais que usavam sua criatividade em trabalhos variados capturando e vendendo imagens para sites, folhetos, convites, colunas de jornais e organizações, governamentais ou não. Era a realização do sonho de uma fotografa entusiasta e escritora que quis reunir os profissionais e proporcionar o contado deles com os clientes, mas garantindo por conta da empresa o salário fixo e comissão por projeto.

Com paredes de vidro, o salão retangular era bem iluminado e os fotógrafos tinham à disposição várias estações de trabalho com divisória, de forma que cada funcionário possuía o próprio computador onde podiam trabalhar as imagens fotografadas. O silêncio era garantido tanto pela altura, a sala ficava no 7º andar do prédio, quanto pelo chão forrado com um carpete bege. Aquela paz, no entanto, estava prestes a ser perturbada.

— Quem realmente quer corre atrás e dá um jeito! Essa é a minha opinião!

— E só minha opinião importa… — Beatrice, já cansada daquele discurso do colega de trabalho, sussurrou o meme fazendo Miguel, sentado em sua mesa na fila à direita dela, rir.

A mulher desviou os olhos da tela do computador onde trabalhava, editando uma fotografia, para olhar o amigo e quando voltou para a posição anterior encontrou o colega em pé olhando na direção dela.

— E eu estou errado por acaso? — Tomás cruzou os braços na frente do peito esperando pela resposta.

A mulher refletiu por alguns segundos por onde começar a argumentação. Não seria a primeira vez que alguém tentava explicar para o colega que nem todo mundo tem as mesmas oportunidades e mesmo se empenhando até as últimas forças, ainda assim não conquista o que almeja. Beatrice quase desistiu da própria vida antes de fazer o que Tomás insistia em desprezar e achar desnecessário.

— Meu sonho de infância sempre foi usar uma tela sensível ao toque, nossa touchscreen. Achava incrível ver o pessoal usando nos filmes de ficção científica — declarou ela já esperando pela confusão no rosto do colega de trabalho. Satisfeita com a expressão dele, a mulher continuou. — Hoje eu tenho uma pra carregar no bolso. — Pegou o celular ao lado do teclado e exibiu.

— Por que você trabalhou, ganhou dinheiro e pôde comprar!

Tomás estava muito satisfeito, mas não tanto quanto Beatrice que acabara de pegá-lo na armadilha que tinha planejado. Alguns dos outros profissionais presentes na sala pararam o que estavam fazendo para prestar atenção na conversa.

— Eu não entendo nada sobre o funcionamento dessa coisa — lamentou a mulher. — Se dependesse de mim, só de mim, provavelmente ainda estaríamos esperando algo assim sair dos filmes e se tornar realidade. Claro, não descarto a possibilidade de estudar muito e desenvolver uma tela sensível ao toque que caiba no bolso das pessoas e seja financeiramente acessível. Mas esse tipo de coisa raramente é resultado do esforço individual.

— Ah, mas aí você está falando de uma invenção tecnológica, com certeza essas coisas precisam de esforço coletivo, são muitos detalhes. Várias áreas de conhecimento… Eu estou falando de pessoas e seus objetivos de vida. — Tomás já não tinha mais tanta segurança no que dizia, mas não queria dar o braço a torcer.

— Quantas especialidades médicas você conhece? — Desafiou a mulher enquanto fazia a pesquisa no celular.

— Sei lá, umas 30. — O homem riu de nervoso sem entender o porquê da pergunta.

— Segundo os primeiros resultados do Google são 55 no Brasil, mas eu precisaria ler as matérias para entender o que ele considera uma especialidade e não vou fazer isso agora. — Beatrice deixou o celular sobre a mesa e juntou as duas mãos entrelaçando os dedos ao mesmo tempo em que relaxava as costas em sua cadeira acolchoada. — O meu ponto é o seguinte. Se uma pessoa precisa de mais de 50 especialistas diferentes apenas para cuidar de seu pleno funcionamento, pela sua lógica, apenas com o esforço coletivo ela vai se desenvolver adequadamente. O que é fundamental para atingir os objetivos individuais.

Tomás tentou argumentar, mas já não era capaz de formular uma frase. Apenas abriu e fechou a boca algumas vezes sem emitir som.

— E estamos falando apenas de médicos, somos seres sociais, temos necessidades culturais de pertencer a um grupo, nos sentirmos seguros. De nada adianta um corpo aparentemente funcionando se formos negligenciados em outros aspectos.

— Tá tudo aqui. — Ele apontou para a própria cabeça com os músculos do braço visivelmente tensos.

— Você sabe que o cérebro é um órgão como qualquer outro né? Pode ser afetado por agentes internos ou externos e também falha — informou Beatrice. — É ele quem dita como você vai reagir e não o contrário… Em alguns casos se chama autopreservação.

— Eu mando no meu cérebro! — retrucou sem mudar de opinião.

— Neurologista e psiquiatra — anunciou outra voz masculina.

— Como? — perguntou Tomás procurando qual dos colegas havia entrado na conversa.

Àquela altura todos haviam parado o que estavam fazendo para acompanhar a discussão.

— Médicos que cuidam do cérebro — continuou Miguel enquanto arrastava os pés no chão levando sua cadeira até perto à da amiga. — O que ela disse. É um órgão como qualquer outro.

— E tem o psicólogo também — continuou Beatrice. — A formação acadêmica é diferente, mas também trabalha com o mesmo órgão.

— Tudo desculpinha… — Tomás se virou e caminhou para a porta do escritório até sumir de vista no corredor.

Aos poucos as pessoas que acompanhavam a conversa foram se dispersando e voltando para seus afazeres.

— Acho que você não conseguiu convencer ele — disse o homem mexendo nos enfeites ao lado do monitor da amiga.

— Não tem problema, — ela havia voltado a retocar os detalhes da imagem em que estava trabalhando. — Pode não ter servido para ele, mas talvez tenha servido para outra pessoa.

— Ou ele pode aceitar que está errado algum dia, e que definitivamente precisa de ajuda.

— Pode ser, — Beatrice olhou para o amigo e sorriu. — Eu mesma levei um tempão.

— Que bom que você mudou de ideia — disse ele em um tom mais baixo.

Miguel era o único que sabia sobre o passado da mulher e suas sessões de terapia.

— De nada adiantaria sem o apoio dos amigos — admitiu ela sorrindo novamente. — E o bom dessa ajuda é que sai de graça — ironizou.

— O quê? Nem um cafezinho? — O homem fingiu estar indignado arrancando uma risada da amiga.

— Tudo bem, — concordou Beatrice. — O que eu menos quero agora é uma revanche na sala do café. Melhor sair pra comer na rua.

Pelo horário, ambos acreditavam ter sido esse o destino de Tomás.

— Prefiro dar tempo a ele para processar o que ouviu e considerar irrelevante demais para voltar ao assunto.

— Ótima escolha! Vou pegar meu casaco! — Miguel empurrou o chão com os pés e deslizou de volta para a sua mesa.

A mulher salvou o arquivo da fotografia, quase pronto para ser entregue ao cliente e colocou uma cópia no pendrive que carregava com ela. Como sempre estava de mangas compridas para esconder suas cicatrizes, então não precisou se vestir para sair na companhia do amigo até o Art’s Café, local aconchegante com comida e bebida de qualidade a apenas um quarteirão do escritório.

Tem gente que tem uma visão limitada das coisas e não muda de jeito nenhum, não é? Para mim essas pessoas são as que mais precisam de ajuda. Espero que vocês tenham gostado de mais essa história com os amigos Miguel e Beatrice. Para ler mais cenas com eles, acesse AQUI.

6 comentários:

  1. Oi, Helaina. Como vai? Primeiramente quero lhe parabenizar por proporcionar a mim um texto de qualidade e, muito bem escrito. Gostei muito do texto, viu. Aliás você escreve muito bem, provavelmente seja escritora né? Se não for poderia ser tranquilamente, uma vez que, sua desenvoltura com as palavras é notória. Abraço!


    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Luciano, muito obrigada! Fico feliz por você ter gostado!
      Sim, já sou escritora há alguns anos e tenho alguns livros e contos publicados tanto aqui quanto nas plataforma Wattpad e Inkspired, só falta mesmo as pessoas chegarem até meus textos. Essa tem sido minha luta nos últimos 20 anos. Abraço;

      Excluir
    2. Eu também sofro do mesmo mal. Sendo escritor há alguns anos, poucos leitores conhecem minhas obras. Infelizmente essa é uma triste realidade vivida por quem escreve aqui no Brasil. Torço muito para um dia quem sabe, essa situação mude. Um forte abraço!

      Excluir
    3. Ah, então você sabe bem como é. Eu tenho a mesma esperança, mas cada dia ela diminui um pouquinho mais. Abraço forte e boa sorte pra nós!

      Excluir
  2. Olá Helaina, gostei muito do seu estilo de escrita ♥
    Vou acompanhar mais cenas desta história!
    Bjos, Val

    https://www.namoradanerd.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Val, muito obrigada! Fico feliz que tenha gostado!
      Já espero ansiosa seu retorno!
      Beijos;

      Excluir

Agradeço muito a sua visita! Deixe um comentário!

- Atenção: Ao comentar você concorda com as políticas de comentários do blog.
Saiba mais: Políticas de Comentários.

Todos os comentários são revisados antes da publicação.
Obs: Os comentários não publicados pela autora não refletem a opinião do blog.