Praga
(Parte 04 de 07)
No horário marcado, Lucy Anne bateu à porta do quarto onde os três estavam. Ela usava um vestido xadrez vermelho e preto, um casaco de couro por cima do vestido e scarpins pretos. Como Anna e os irmãos já estavam prontos, eles foram para o lugar combinado. Decidiram ir andando, pois o pub era bem perto e a noite estava agradabilíssima.
— A Anna e o Jared te contaram sobre o que encontraram na biblioteca? — ela perguntou para Daniel, que seguia ao seu lado usando uma malha azul com uma camisa social branca por baixo combinando com calças jeans e tênis.
— Não. Eles mencionaram, mas eu quis esperar pra vermos juntos — ele respondeu sorrindo para Lucy e a abraçando.
Anna percebeu Jared enrijecer o punho dentro do bolso do casaco de lã que usava sobre uma camisa azul com listras brancas. Ela se aproximou dele e entrelaçou o braço dela com o do amigo. Jared relaxou um pouco.
— Nós achamos uma história bem estranha que aconteceu aqui na cidade há bastante tempo — disse Anna que usava uma camisa rosa clara de mangas 3/4, uma calça jeans, um casaco azul marinho que chegava até seu joelho e uma bota preta de cano médio. — Estou com as cópias da matéria aqui — ela bateu no bolso do casaco.
Alguns passos a mais e eles logo chegaram ao pub. O lugar não estava muito cheio. Pequenas mesas estavam espalhadas ali com quatro cadeiras em volta de cada. Sobre cada mesa um pequeno abajur era a única iluminação além da luz que vinha de trás do balcão do bar, o que dava ao lugar uma atmosfera aconchegante.
— Vou pegar cerveja pra gente — anunciou Jared.
— Um refrigerante pra mim — pediu Lucy Anne.
— Pra mim também — continuou Anna.
— Tudo bem — ele se afastou.
Os três escolheram uma mesa onde logo Jared se juntou a eles trazendo as bebidas.
— Bom. Isso foi o que nós conseguimos na biblioteca — Anna tirou algumas folhas de dentro da bolsa — eu tirei uma cópia de algumas edições do jornal local de 1943.
Daniel e Lucy pegaram as folhas.
— Engraçado ter acontecido há tanto tempo atrás e agora acontecer de novo — comentou Lucy Anne antes de tomar um gole de seu refrigerante.
— Pode ser que quem está provocando isso agora de alguma forma é relacionado com quem causou da primeira vez — comentou Jared.
— Vocês estão realmente convencidos de que tem uma pessoa por trás disso tudo?
— Viva ou morta, normalmente tem — ele continuou.
— Nesse caso, alguns meses depois, um fazendeiro, Jonas Smith, foi detido porque os vizinhos o acusaram de estar fazendo rituais e ter evocado as pragas — Anna passou outra folha a eles. — Ele foi detido, interrogado, mas nunca foi provado que ele tinha o poder de controlar essas coisas. Alegou que o que foi encontrado na sua casa fazia parte de suas práticas religiosas.
Jared acompanhava o que Anna mostrava aos dois.
— Depois disso, nos anos que se seguiram não teve mais nenhuma notícia relativa a esse caso ou ao fazendeiro — Anna passou uma última folha aos dois onde estava o obituário da cidade do ano de 1990 no mês de setembro onde se lia: “Jonas Smith morre aos 78 anos deixando apenas uma filha e 2 netos”.
— Algum desses netos ainda mora por aqui? — perguntou Daniel.
— Não sei. No jornal não tem o nome deles — Anna comentou.
— Talvez a gente encontre algum registro deles na prefeitura — sugeriu Lucy.
Jared ficou sério — como assim nós?
— Eu vou com vocês. Claro! — respondeu Lucy Anne.
— Claro que não! — censurou Jared.
— E porque não?
— Er... por que... — Jared não sabia o que dizer.
— Pode ser perigoso — Anna sugeriu. — Não sabemos quem ou o que está por trás disso.
— Eu posso me cuidar — retrucou a garota. — Posso revidar na mesma moeda.
Daniel que ainda lia as cópias do jornal parou para olhar para ela. Jared também ficou esperando para ver o que a garota iria fazer.
Lucy Anne olhou para os lados para se certificar que ninguém estava prestando atenção neles. Depois de ter certeza, ela olhou para o grupo e sugeriu que eles olhassem para a mesa. Tudo estava flutuando a quase um palmo dela. Daniel, Jared e Anna ficaram espantados e não sabiam o que dizer. Lucy ainda brincou trocando as coisas de lugar sem nenhuma dificuldade e sem derrubar nada.
— Viram. Consigo afastar qualquer tipo de coisa de mim. E posso invocá-las também — Lucy Anne fez a garrafa de refrigerante ir até sua mão e depois de pegá-la tomou um gole sorrindo.
Daniel começou a imaginar se seu irmão não estava com a razão por querer manter Lucy sobre vigilância.
— O que foi gente? — ela deixou que as coisas voltassem ao seu lugar colocando por último a garrafa que ela segurava sobre a mesa.
— Lucy Anne — começou Daniel. — Quando eu mencionei que uma pessoa poderia estar causando tudo isso, alguém com um dom...
— Espera! É por isso vocês estão andando comigo?
— Lucy Anne, fique calma — Daniel pediu.
— Por quê? Tem medo que uma chuva de gafanhotos caia sobre a sua cabeça? — o tom de voz mais alto dela chamou a atenção de algumas pessoas que estavam perto deles. Lucy pegou sua bolsa e saiu do pub.
Sobre a mesa, uma das tampinhas de garrafa havia sido amassada ao meio, girava em torno do próprio eixo de forma tão rápida que já provocava ranhuras na madeira.
— Vou atrás dela — disse Daniel se levantando.
Jared também se levantou.
— Deixa essa comigo — ele pediu.
Jared se sentou novamente — estou te olhando daqui. — Ele disse apontando para a janela de onde era possível ver Lucy Anne no ponto de ônibus do outro lado da rua.
Daniel seguiu na direção dela, mas não se aproximou. Não porque não queria, mas porque não conseguia. No pub a tampinha parou de girar e caiu inerte sobre a mesa. Jared e Anna ficaram apreensivos com o que poderia acontecer.
— Lucy... Eu só quero conversar — pediu Daniel em voz alta para que a garota pudesse ouvir.
— Não temos nada para conversar — ela respondeu rispidamente. — E nem pense em contar o que eu posso fazer pra mais ninguém!
Daniel conseguiu vencer um pouco a força dela, mas só pode caminhar até o meio da rua. Lucy Anne se assustou ao vê-lo tão próximo.
— Não vamos falar pra ninguém! Só queremos te ajudar.
— Eu não preciso de ajuda! Essa cidade é que precisa. Enquanto estamos aqui perdendo tempo alguém está conjurando a próxima praga.
— Desculpa por termos suspeitado de você... — disse Daniel. Ele sentiu que ela já não fazia tanta força para mantê-lo afastado. Distraído enquanto olhava para ela, no entanto, não percebeu uma pickup vermelha descendo a rua em alta velocidade indo na sua direção.
— Daniel! — gritou Jared de dentro do pub vendo o que iria acontecer, mas ele não podia ouvir o irmão.
Os segundos pareciam se arrastar enquanto a pickup se aproximava. Ele e Anna correram para o lado de fora do pub na direção de Daniel. Jared estava à frente da amiga, mas mesmo assim longe da rua. Cada centímetro a mais, percorrido pela pickup, acelerava os batimentos cardíacos de Jared. Ele estava quase sem ar quando viu que o carro havia passado e Daniel estava com Lucy em cima da calçada. Jared passou a mão na cabeça e sorriu aliviado. Algumas pessoas que estavam no pub e haviam acompanhado a cena achavam puro milagre Daniel ter se salvado e se aglomeravam perto da porta comentando o fato. Quando Anna conseguiu alcançar Jared, estava quase sem fôlego. Eles se apoiaram um no outro para descansar.
— Como eu vim parar aqui tão rápido? — Daniel sorrindo ao lado de Lucy Anne perguntou.
Ela saiu caminhando para longe dele sem dizer sequer uma palavra.
— Lucy, — ela parou e deixou—o se aproximar. — Será que podemos conversar?
Daniel estendeu sua mão para a garota e ela concordou em ir com ele.
Os dois atravessaram a rua de mãos dadas e foram em direção ao beco pelo qual tinham passado mais cedo que terminava na rua em frente ao hotel.
— No quarto? — perguntou ela parada em frente à porta.
— Queria um lugar mais calmo, — argumentou Daniel. — Tudo bem?
— Porque não estaria? Sou mais forte que você mesmo — ela respondeu entrando no quarto. Daniel a seguiu e fechou a porta.
— Fique a vontade — ele disse.
Lucy Anne colocou sua bolsa em cima da mesinha e pendurou o casaco que usava no encosto da cadeira. Daniel havia se sentado aos pés da cama de solteiro, e ela se sentou na outra cama de frente para ele.
— Desculpa por acusar você sem provas — disse ele enquanto olhava para a garota.
— Tudo bem Daniel, não é a primeira vez que esse “dom” me traz problemas. Eu só contei pra vocês porque não achei que fossem interpretar desse jeito. Imaginei que fossem realmente achar útil. É por isso que não mostro pra ninguém. As pessoas se assustam — ela olhava nos olhos de Daniel procurando algum conforto para o que dizia. — Eu às vezes me assusto.
— Comum não é, mas você não deve ser a única pessoa no mundo com esse dom.
Lucy Anne se animou.
— Mais alguém da sua família tem essa habilidade?
— Dizem que minha irmã também era diferente — Lucy Anne baixou a cabeça entristecida.
Daniel usou o polegar e levantou a cabeça dela delicadamente — o que foi?
— Quando éramos pequenas, sofremos uma tentativa de sequestro. Se não fosse ela ter gritado quando viu o sequestrador, nem sei se eu estaria viva. Mas ela não teve a mesma sorte.
— O sequestrador a matou?
— Não. Ela simplesmente foi enfraquecendo até morrer. Os médicos não souberam explicar. Não sei se o sequestrador fez alguma coisa com ela — Lucy Anne ficou em silêncio antes de voltar a falar. — Ela tinha 5 anos.
— Sinto muito.
Lucy Anne deu um sorriso tímido em agradecimento.
— Quando você percebeu que tinha poderes?
— Eu tinha uns 7 anos, eu acho. Minha mãe estava trabalhando no jardim quando um vaso de uma planta enorme caiu da prateleira e ia acertar em cheio a cabeça dela. Eu estava longe no meu balanço embaixo de uma grande árvore, mas vi o que iria acontecer. Eu gritei pra ela sair, mas antes disso o vaso flutuou a uns 3 palmos da cabeça dela por tempo suficiente para que meu pai, que estava debaixo do carro na garagem, ouvisse meu grito e viesse em nosso socorro pegando o vaso. Eles ficaram espantados, mas não com medo, e me ajudaram a aprender a controlar meu dom. Claro que sempre sobre a supervisão do padre de uma igreja que ficava lá perto. Ele foi o único, além dos meus pais, por um bom tempo, que sabia o que eu podia fazer.
— Então você não teve muitos problemas com o seu dom?
— Infelizmente tive... — Lucy Anne tomou fôlego antes de começar. — Eu estava com quase 12 anos e já o controlava com muita habilidade em objetos, e estava começando a treinar com pessoas. Eu queria poder contar pra toda a família e foi no meu 12º aniversário que meus pais decidiram que eu poderia. Durante a festa, quando todos já estavam lá em casa, eu expliquei o que podia fazer e comecei a levitar alguns objetos pela sala. Todos acharam aquilo muito divertido, menos um dos irmãos da minha mãe. Ele achava que era algum tipo de truque e ficava me provocando dizendo que ia descobrir o truque e mostrar pra todo mundo.
— Ele te deixou nervosa? — perguntou Daniel.
— Sim. E naquela época isso era muito perigoso. Eu não tinha tanto controle como imaginava. E foi minha perdição. Sem querer olhei pra ele com muita raiva, e ele deve ter voado uns 2 metros pra cima antes de cair no sofá da sala — Lucy Anne deu um pequeno sorriso se lembrando da situação e achando graça agora que fazia tanto tempo.
Daniel sorriu também — seu tio se machucou?
— Não, mas nunca mais quis chegar perto de mim — Lucy Anne parecia triste outra vez. — Nem ele, nem ninguém mais. Depois disso nunca mais vi meus primos e tios. Recebia cartões de aniversário todo ano sempre com explicações esdrúxulas sobre a ausência deles. Na escola parece que a noticia se espalhou também. Passei a ser a estranha do colégio, e só não foi pior porque ninguém lá viu o que eu fiz, então não podiam me censurar de verdade, mas eu sentia que as pessoas não ficavam a vontade do meu lado. Quando entrei pra faculdade pensei que tudo fosse ser diferente, mas percebi que depois de tanto tempo eu me especializei na prática de evitar as pessoas... A não me envolver...
Com uma das mãos, Daniel segurou as mãos de Lucy Anne enquanto com a outra acariciava os cabelos dela.
— A única coisa boa depois de eu entrar na faculdade foi que meus tios voltaram a frequentar minha casa. Isso é bom pra minha mãe e meu pai. Manter—me afastada talvez seja a melhor coisa — ela olhou para a mão de Daniel sobre as suas. — Depois teve o Eddie. Eu pensei que seria como nos contos de fadas. Namoramos por quase um ano, mas ele não era carinhoso comigo, nunca sequer me trouxe flores... Eu tentei terminar com ele, mas ele disse que era ele que decidia quando uma menina deixaria de ficar com ele...
— Lamento por ter tido que passar por isso... Nem todos os homens são assim.
Lucy Anne continuou — acho que ele só ficou comigo porque ele era o único do time de futebol que não tinha uma namorada. Mas só agora consigo ver dessa forma. Na época parecia um sonho. — Uma lágrima escorreu pelo rosto Lucy Anne — até o dia em que eu o encontrei no vestiário com uma das lideres de torcida... — Ela se segurou para não desabar em lágrimas — mas a menina ficou revoltada por ele ter me traído. Eddie tinha dito pra ela que não estávamos mais juntos. Com isso, além de terminar com ele, espalhou a história pra todos que pode na faculdade. Ele ficou mal falado e está sem namorada até hoje.
— Você se sentiu um pouco vingada não foi? — Daniel sorriu.
Lucy Anne esboçou um pequeno sorriso — não vou mentir dizendo que não, mas a vingança não me trouxe nada de bom... Vou ser sempre uma aberração da natureza...
Daniel se aproximou dela e sussurrou ao seu ouvido — isso não é verdade...
Os rostos deles haviam se aproximado à medida que conversavam e desta vez, sem nada para atrapalhar, um beijo foi inevitável. Há muito tempo nenhum dos dois sentia algo com aquela intensidade, e o beijo durou longos minutos. Daniel puxou Lucy Anne para mais perto dele e os dois se deitaram sobre a cama. Eles sorriram um para o outro e se beijaram novamente. Levados pelo calor do momento os dois começaram a se despir e logo estavam somente com suas roupas íntimas.
— Daniel... — ela sussurrou enquanto ele beijava seu pescoço. Seu coração batia acelerado. — Daniel...
Ele parou e olhou para ela. As maçãs do rosto da garota estavam completamente vermelhas e ela sorria meio sem jeito.
— O que foi?
— Não sei por onde começar... É que.... É... — Ela mordeu o lábio inferior. — Eu nunca fiz isso antes, é... Eu sou... É...— Virgem?
Lucy Anne sorriu desconcertada — é, sou. — Ela disse por fim.
Ele não sabia o que dizer.
— Daniel, me desculpa... Eu queria... Quer dizer, eu quero... Droga! Acho que ainda sou aquela menininha da fazenda... Não queria que fosse desse jeito... Eu gosto de você, de verdade, mas mesmo assim mal nos conhecemos...
— Não se preocupe — Daniel beijou os lábios dela. — Não se preocupe mesmo. Respeito sua vontade.
Lucy Anne sorriu e beijou Daniel demoradamente como antes. Depois, ele a aconchegou sobre seu peito ainda despido e eles dormiram abraçados do jeito que estavam.
- CONTINUA -
Estou adorando o conto! xD
ResponderExcluirQue bom!! :D
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