Velórios são sempre eventos muito tristes, e Bárbara não discordava disso. Havia ouvido certa vez que eles ajudavam a lidar com a dor de sua perda, então ela não se opunha a comparecer e respeitava a decisão das pessoas de passar uma noite inteira ao lado do caixão. No entanto, isso a incomodava. A atmosfera, como já era de se esperar, era ruim.
A pessoa que havia morrido era um senhor amigo da família de Bárbara. Todos estavam com muita pena da viúva, pois ela morava sozinha. Seus filhos queriam que ela fosse morar com um deles e pareciam estar conseguindo convencê-la.
O único detalhe que faltava para que ela concordasse era o fato de que a velha senhora não queria deixar sua casa sozinha. Foi essa a oportunidade que Bárbara precisava. Ela estava para começar o curso na universidade e ainda não tinha onde morar. Agora esse problema estava resolvido.
Depois de passar um tempo no velório, Bárbara e sua família foram embora. Apesar de estar feliz com a moradia garantida ela se sentiu um pouco triste ao ver uma menina de vestido vermelho do lado de fora da sala onde estava o caixão. Na área comum entre as capelas do cemitério. Provavelmente da família. Ela não sabia quem era, mas pela tristeza em seu rosto ela parecia ser bem próxima a eles.
(...)
Uma semana depois, Bárbara foi ajudar Mirtes, a viúva de
Antônio, a retirar seus pertences pessoais de sua casa que agora oficialmente
estava sendo alugada, bem abaixo do preço de mercado, para Bárbara e uma amiga.
— Você está lembrando o nosso acordo, não está? — perguntou Mirtes.
— Sim. Tem uma amiga que também vai começar a estudar esse semestre e vai morar comigo.
Bárbara não havia entendido o porquê dessa exigência, mas como o preço estabelecido para o aluguel era muito barato, ela não viu porque não aceitar.
— Então não se esqueça. Nunca fique sozinha nessa casa — pediu Mirtes. — Nem você, nem sua amiga.
— Tudo bem, pode deixar. — Bárbara achou aquilo estranho e quase chegou a ficar com medo. Mas por fim se convenceu que devia ser só algo da cabeça de Mirtes com medo da solidão.
(...)
Mônica, amiga com quem Bárbara dividiria o apartamento,
concordou que aquilo deveria ser algo sem importância, mas percebeu que de
alguma forma a recomendação de Mirtes havia afetado Bárbara, pois ela resolvera
se empenhar em seguir a instrução.
— Você vai chegar cedo hoje, Mônica?
— Chego às 7 da noite, como sempre Bárbara.
— Okay. Eu vou sair às 5 horas da faculdade, mas faço uma horinha na rua antes de voltar pra casa.
— Bárbara. Porque você não vai fazer uma visitinha pra dona Mirtes. Aproveita e pergunta a ela porque ela fez essa recomendação estranha sobre a casa. Não deve ser nada e você está se preocupando à toa.
— Eu não estou preocupada com isso...
Mônica olhou para Bárbara com olhar de deboche perante a afirmação.
— Okay. Ela falou com tanta propriedade. Fiquei meio incomodada com a ideia do que poderia acontecer caso uma de nós fique sozinha aqui — admitiu Bárbara.
— Então vá conversar com ela — insistiu Mônica. — Ela está morando aqui perto, não está?
— Está sim. Vou fazer isso então.
As duas garotas terminaram de se arrumar e seguiram para a faculdade.
(...)
Bárbara desceu do ônibus alguns pontos antes de casa e
seguiu a pé até a casa onde Mirtes estava morando com o filho mais velho, sua
nora e dois netos. Ainda perto do ponto, ela teve a impressão de ter visto a
mesma menina de vestido vermelho que havia visto no cemitério algumas semanas
antes.
— Ela deve ter vindo visitar a dona Mirtes — pensou.
A jovem seguiu por dois quarteirões e logo chegou à pequena casinha com um jardim muito florido à frente. Mirtes ficou feliz ao vê-la.
A senhora preparou um café para as duas que elas degustaram enquanto conversavam na cozinha.
— Dona Mirtes...
— Apenas Mirtes, Bárbara.
— Desculpe-me — ela sorriu. — Mirtes, porque você me recomendou que de forma alguma nem eu nem minha amiga ficássemos sozinhas na casa?
— Venha comigo — chamou a senhora. — Vou te mostrar uma coisa.
As duas foram para o quarto de Mirtes, onde ela pegou uma caixinha de madeira com um lindo trabalho artesanal floral por toda a superfície.
— Eu e meu marido convivíamos com isso há algum tempo. Ele achou que seria melhor que ficássemos na casa do que vendê-la a alguém que não levasse a história a sério. Uma vez eu corri grande perigo lá dentro, e se não fosse ele arrombar a porta, hoje eu não estaria aqui conversando com você. Agora, com a morte dele, eu tive que sair de lá. Não conseguiria alguém para morar comigo e ficar em casa o tempo todo.
Mirtes abriu a caixinha. Havia muitas coisas miúdas e vários papéis dentro dela. Ela tirou uma fotografia antiga colorida à tinta como uma pintura em tela.
— Você já viu essa menina? — Mirtes entregou a fotografia a Bárbara.
A garota na foto além de ser familiar, vestia o mesmo vestido vermelho que Bárbara já havia visto — é sua neta?
Mirtes pegou a foto de volta.
— Minha irmã gêmea — ela respondeu.
— Mas... — Bárbara não estava entendendo como poderia estar vendo a irmã gêmea de Mirtes com aquela aparência.
— O fato de você já tê-la visto mostra que eu não perdi a sanidade.
— Eu não pensei isso...
— Sei que não, minha querida. Mas muita gente já pensou. Antônio era o único que acreditava em mim. Ele também a viu uma vez.
— Porque nós a vemos?
— Quando éramos crianças, em 1932, Marta ficou muito doente. Os médicos não conseguiam curá-la e ela estava enfraquecendo dia a dia. Ela ficava o dia todo no quarto e não podia sair para brincar. Eu ficava com ela no quarto, mas com o tempo ela ficou fraca demais até para nossas brincadeiras. Uma manhã, ela apareceu na sala onde tomávamos café usando seu vestido vermelho preferido, brincando com sua boneca de pano. Eu e mamãe ficamos muito animadas e ela pediu para chamar o médico para que ele pudesse diagnosticar a cura e assim voltarmos à nossa vida normal.
Bárbara ouvia a história com atenção.
— Mamãe resolveu ir para o quintal colher acerolas para preparar um para nós e eu corri até a loja onde papai trabalhava, quase do lado da nossa casa para dar a notícia e ele veio comigo muito feliz para ver minha irmã. O que encontramos ao chegarmos, no entanto, nos tirou toda a alegria.
Rosa, que havia ido falar com o médico estava caída no chão da sala. Morta. Mamãe pensou se tratar de um assalto e correu para procurar minha irmã. Ela estava de volta no quarto, desmaiada sobre a cama e ficou inconsciente por uns dias até morrer.
— Nossa, Mirtes. Que terrível. Nem imagino como isso tudo deve ter sido para você.
— Ainda me lembro de Rosa caída perto da porta da sala. Foi meu pai quem me tirou de lá.
— A polícia descobriu o que aconteceu?
— Nem chegou perto de descobrir. E essa não foi a única morte que aconteceu na casa. Uma amiga da minha mãe que havia ficado viúva e não tinha filhos foi morar com a gente. Durante um verão, fui com meus pais visitar a fazenda dos meus avós, e essa amiga ficou na casa. Quando chegamos, ela estava morta. No mesmo lugar onde Rosa estava.
Bárbara engoliu seco — vocês mudaram da casa?
— Nunca conseguimos. Aquela época histórias assim assustavam muito. Ninguém queria comprar a casa e mesmo nós tínhamos medo de ficar lá sozinhos. Mas não tínhamos para onde ir. Esse medo acabou nos ajudando a sobreviver. Nunca nenhum de nós ficou sozinho na casa e quando me casei, fui morar lá com meu marido e filhos. Sempre tendo o cuidado de não deixar ninguém sozinho na casa. Mesmo assim, um dia enquanto Antônio cuidava do jardim e eu entrei em casa para preparar uma limonada, uma rajada de vento fechou a porta. E eu a vi. Com o mesmo vestido vermelho e a boneca de pano. Ela foi se aproximando de mim e eu senti meu coração batendo cada vez mais forte. Eu gritei e antes que Marta se aproximasse mais, Antônio arrombou a porta e entrou em casa. Nesse dia ele a viu também. Mas ela não pode mais fazer nada. Ela desapareceu no ar.
— Eu a vi no cemitério. E aqui perto, antes de vir para cá.
— Acho que nós a vemos porque ela nunca saiu da casa. E agora você também está ligada a aquela casa. Você e sua amiga. Alguma coisa trouxe a saúde da minha irmã de volta por um curto período e levou de volta a um alto preço.
Agora Bárbara estava definitivamente assustada.
— Fique tranquila, meu bem. Contanto que você não fique sozinha em casa, não há o que temer. — Mirtes tentou tranquilizá-la.
Um pequeno relógio sobre a penteadeira de Mirtes começou a badalar.
— Me esqueci da hora! — Bárbara se levantou. — Mônica está para chegar em casa!
— Corra! Não pode deixá-la ficar sozinha lá! — Agora Mirtes também estava um pouco assustada. Iria se sentir culpada se algo acontecesse às meninas. Arrependeu-se por não ter contado toda a história antes. Mas geralmente ninguém acredita.
Bárbara correu. O mais rápido que podia. Ignorou alguns sinais de trânsito, ouviu alguns insultos de motoristas que precisaram frear para não a atropelar e chegou quase sem fôlego a casa.
A porta da frente estava entreaberta. Seu coração disparou.
— Mônica! — chamou ela. Barbara atravessou o portão e se aproximou da entrada — MÔNICA! — gritou.
Bárbara empurrou de leve a porta.
— Que gritaria é essa? — perguntou Mônica, vindo lá de dentro.
— Falei pra não ficar sozinha na casa — repreendeu Bárbara.
— O que você tem? Parece que viu fantasma.
— Vamos conversar. Vou te contar o que a Mirtes me contou, mas em outro lugar — pediu ela.
— Tudo bem, se acalma. Deixa só colocar o lixo para fora de uma vez. Falta pegar o lixo do banheiro.
— Okay. — Bárbara sentou no primeiro degrau de frente para a porta.
Uma rajada de vento frio bagunçou seus cabelos.
— Não Mônica! Espera! — Bárbara se levantou e correu em direção à porta.
Ela ouviu a risada de uma criança e a porta da frente bateu antes que ela conseguisse chegar até ela.
— MÔNICA! — gritava ela enquanto girava em vão a maçaneta. — Mônica! — Bárbara começou a esmurrar e a chutar a porta.
Ela ouviu o grito da amiga e ouviu a criança rindo novamente.
— Não! — Bárbara começou a chorar. — Fica longe dela! — Ela continuou esmurrando a porta e foi escorregando até cair sentada aos pés da porta. — Mônica... — sussurrou ela.
Os gritos dela chamaram a atenção de pessoas que passavam pela rua e alguns homens tentaram ajudar. Eles afastaram Bárbara da porta e a arrombaram. Lá dentro, ela viu a menina de vestido vermelho. Ela segurava uma boneca de pano. Caída ao seu lado. Mônica não se mexia.
Os homens passaram por Bárbara e entraram na casa. Eles tentavam reanimar Mônica, mas nada surtia efeito. Eles ignoravam a criança por completo.
A menina realmente não parecia ter a intenção de abandonar a casa.
E Bárbara também não tinha a intenção de voltar a morar ali.